Afirma Pereira
Autor
Antonio Tabucchi
Editora
Rocco
Tradução
Roberta Barni
A dança do universo
“ … Marta tirou o chapéu, apoiando-o sobre a mesa. Do chapéu saiu uma cascata de cabelos castanhos de reflexos ruivos, afirma Pereira, parecia alguns anos mais velha que seu companheiro, uns vinte e seis, vinte e sete anos talvez, e então ele lhe perguntou: e a senhora, o que faz da vida? Escrevo cartas comerciais para uma firma de importação e exportação, respondeu Marta, trabalho só pela manhã, assim à tarde posso ler, passear e às vezes ver Monteiro Rossi. Pereira afirma ter estranhado que ela chamasse o jovem de Monteiro Rossi, com nome e sobrenome, como se fossem apenas colegas; de qualquer modo não se manifestou e mudou de assunto dizendo, falando por falar: pensei que fosse da juventude salazarista. E o senhor?, retrucou Marta. Oh! disse Pereira, minha juventude já se foi há um bom tempo; quanto à política, sem contar que não me interessa muito, não gosto de pessoas fanáticas, o mundo parece-me cheio de fanáticos. É preciso distinguir entre fanatismo e fé, respondeu Marta, porque se pode ter ideais, por exemplo, que os homens sejam livres e iguais, e até irmãos, desculpe-me, no fundo estou recitando a Revolução Francesa, o senhor acredita na Revolução Francesa? Teoricamente, sim, respondeu Pereira; e arrependeu-se daquele teoricamente, porque queria ter dito: praticamente, sim; mas no fundo havia dito o que pensava. E àquela altura os dois velhinhos da viola e da guitarra começaram a tocar uma valsa em fá, e Marta disse: doutor Pereira, gostaria de dançar esta valsa com o senhor. Pereira levantou-se, afirma, deu-lhe o braço e levou-a à pista de dança. E dançou aquela valsa quase com enlevo, como se sua barriga e sua carne toda tivessem desaparecido por encanto. E enquanto isso olhava para o céu acima das luzinhas coloridas da praça da Alegria, e sentiu-se minúsculo, confundido com o universo. Há um homem gordo e de idade avançada que dança com uma jovem numa praça qualquer do universo, pensou, e enquanto isso os astros giram, o universo está em movimento, e talvez alguém nos olhe de um observatório infinito. Depois voltaram à mesa, e Pereira, afirma, pensava: por que não tive filhos? Pediu outra limonada, pensando que iria lhe fazer bem porque naquela tarde, com aquele calor insuportável, tinha tido problemas de intestino…”