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As brasas

Autor

Sándor Márai

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Rosa Freire D’Aguiar

O único segredo: nos suportar tais como somos

“ … Por que me odiava?… Tive tempo suficiente, esforcei-me para entender. Você nunca aceitou o dinheiro que eu lhe oferecia, nem um presente sequer, nunca permitiu que nossa amizade se transformasse em verdadeiro sentimento que une irmãos, e, se naqueles anos eu ainda não fosse jovem demais, deveria ter entendido que se tratava de um sinal alarmante e perigoso. Quem não aceita nada de parcial provavelmente quer tudo, rigorosamente tudo. Você já me odiava durante a nossa meninice, desde que nos conhecemos, naquela escola onde eram adestrados os exemplares eleitos de um mundo que nos era familiar. Odiava-me porque eu tinha algo que lhe faltava. De que se tratava? De que faculdade ou característica?.. De nós dois, você sempre foi o mais culto, o mais diligente, o mais virtuoso, o mais dotado em todos os campos, pois também possuía um talento que mantinha secreto, o da música. Era da raça de Chopin, ou seja, era uma criatura cheia de reserva e de orgulho. Mas no fundo da alma ocultava um impulso espasmódico: o desejo de ser diferente do que era. É o tormento mais cruel que o destino pode reservar ao homem. Ser diferente do que somos, de tudo o que somos, é o desejo mais nefasto que pode queimar num coração humano. Pois a única maneira de suportar a vida é se conformar em ser o que somos aos nossos olhos e aos do mundo. Devemos nos contentar em sermos feitos de uma certa maneira e em sabermos que, uma vez aceita essa realidade, a vida não nos louvará por nossa sabedoria, ninguém nos conferirá uma medalha de honra ao mérito só porque nos conformamos em ser vaidosos e egoístas, ou calvos e barrigudos – não, em troca dessa tomada de consciência não obteremos prêmios nem louvores. Devemos nos suportar tais como somos, este é o único segredo. Suportar nosso caráter, nossa natureza profunda, com todos os seus defeitos, seu egoísmo e sua cupidez, que não serão corrigidos nem com a experiência e nem com boa vontade. Devemos aceitar que nossos sentimentos não são correspondidos, que as pessoas que amamos não retribuem o nosso amor, ou pelo menos não como gostaríamos. Devemos suportar a traição e a infidelidade, e sobretudo a coisa que nos parece mais intolerável: a superioridade intelectual ou moral do outro. Eis algo que aprendi no correr de setenta e cinco anos, aqui, no meio dos bosques. Você, ao contrário, não conseguiu suportar essas coisas”, conclui o general em voz baixa mas firme. Depois se cala, e seu olhar se perde no escuro. ”

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Sándor Márai

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