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As palavras secretas - Contos

Autor

Rubens Figueiredo

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Menor do que uma sensação, maior do que um raciocínio (Conto: Os Distraídos)

“... Ainda que eu feche os olhos, mesmo que eu tape os ouvidos e comprima com força as mãos sobre as orelhas, percebo na pele, sinto nos ossos que o mundo trepida e bufa, agitado, à minha volta. Sempre me admira que tudo se esforce tanto em se mostrar, sempre me espanta que com tamanha sofreguidão todos queiram aparecer. Para mim, esconder-se é a habilidade suprema e manter-se oculto constitui o talento mais precioso de todos.

Mas nem sempre pensei assim, antes eu era como os outros. Entrava no elevador e as quatro pessoas que meus olhos viam eram as quatro pessoas que o elevador de fato carregava. A voz que meu ouvido escutava no telefone representava, para mim, a mesma voz que falava, bem longe dali. Minha mão espremia uma esponja encharcada e a água que escorria entre os dedos era – assim eu acreditava – a mesma água que ela, antes, havia absorvido. Mas a essa altura, em algum lugar, em algum vão mais sombrio, ele já me espreitava pelas costas. Sem que eu notasse, ele já vigiava, com ar de gracejo, a inocência dos meus movimentos e media, com uma ponta de escárnio, a extensão da minha crença descuidada.

Quando tudo se empenha tanto em aparecer, em correr de encontro aos nossos olhos e ouvidos, quando tudo parece ávido de atirar suas quinas e seus contornos sobre os nossos dedos, a atenção se torna um exercício fútil, um luxo dispendioso, uma arte para frívolos. Aprendi que, neste mundo, quem se mostrar muito atento perderá sua hora, perderá seu ônibus, será chamado de tonto, desleixado, e no fim sentirá estalar no rosto o menosprezo que é a recompensa reservada aos distraídos sem remédio.

Mais até do que o menosprezo, prestar atenção atiça o rancor, incendeia a indignação ao nosso redor, pois desse modo nos colocamos em um abrigo, recuamos para fora do alcance dos outros, erguemos à nossa volta um maciço bloco de ar e deixamos o mundo vazar através de nós, sem sequer nos tocar. O sonho do observador é se anular diante daquilo que é observado. Um sonho possível. Aprendi isso aos poucos, graças a ele, graças à sua presença perfeita, que até hoje nunca se deixou ver.

Mas, se é mesmo assim, como me dei conta de que ele estava aqui? Na primeira vez, foi algo menor do que uma sensação, porém maior do que um raciocínio. Sozinho na sala, tateando a maciez do tapete com os pés descalços, um pouco embriagado pelo rumor da televisão ligada no apartamento vizinho, me apanhei, por algum motivo, refletindo assim: se não posso ver ao mesmo tempo tudo o que está nesta sala, se ao virar a cabeça para o lado metade do mundo desaparece de repente atrás de mim, o que impede que haja agora alguém aqui e eu não saiba? Se meus olhos estão sempre voltados para a frente, como posso estar seguro de que não haja alguém, neste mesmo instante, olhando para a minha nuca?

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