Bagageiro

“… Tatatatá. Tatatatá. Tatatatá.

Cadê a carabina, tu deve ter vindo, pois, de uma guerra, na surdina, de uma guerrilha de serrotes, como pode, não vejo jeito, fosse um seminarista, crescesse para ser médico de bicho, não seria esse arruaceiro, ô, demônio, se aquieta, Antônio, é a última vez que te digo, vou te fazer o serviço, nesta minha máquina, parece que tu gosta é deste barulho de costura, gosta é de ficar aqui, comigo, rasga o cerzido para ficar de ouvido no som do meu trabalho, isso não dá futuro, está me entendendo, isso não dá futuro, Antônio, eu juro, na próxima, se tu vier, de novo com esse fundo da calça, assim, em frangalhos, eu não costuro, tu que se vire, besta danado, eu não costuro.

Sentei-me à beira da máquina de costura e movimentei a roda de mão e pus meus pés no pedal e o mesmo som, tão desigual, por dentro do apartamento, deu vida àquele móvel que, se eu deixar, se depender de Misael, virará apenas um objeto de decoração.

O que eu gostava descobri ali, alavancando as engrenagens, mexendo na caixa de bobina, na ausência da mulher que trabalhava, incansável, entre carretéis e linhas. O que eu gostava não era do seu ziguezagueado e do desalento em mexer, corpulenta, a minha calça de escola, destruída, o uniforme disforme que eu trazia para infinito franzido e enredamento, menino, tu, desgraça, tá mais para um tatu, saído esfolado, do fundo da terra, tão sujo igual carvão, piolho de cobra, do mesmo modo que uma unha de gato.

O que eu gostava, e a saudade agora me diz alto, da minha mãe, costureira, era de seu palavreado, entre minhas lágrimas de agora, e eu menino, cabisbaixo, em silêncio maravilhado, ouvindo meus livros, futuros, que eu escreveria, a partir daquela sua fala, em movimento.

Tatatatá. Tatatatá. Tatatatá.”