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Chamadas telefônicas

Autor

Roberto Bolaño

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Eduardo Brandão

Contando com o prêmio dos concursos literários para pagar o aluguel

“ ... A resposta de Sensini foi pontual e extensa, pelo menos no tocante à produção e aos concursos. Numa folha escrita com espaço simples e dos dois lados expunha uma espécie de estratégia geral com respeito aos prêmios literários de províncias. Falo por experiência própria, dizia. A carta começa santificando-os (nunca soube se a sério ou de brincadeira), fonte de renda que ajudava no sustento cotidiano Ao se referir às entidades patrocinadoras, prefeituras e caixas econômicas, dizia "essa boa gente que acredita na literatura", ou "esses leitores puros e um pouco forçados". Não tinha, do contrário, ilusões com respeito à informação da "boa gente", os leitores que previsivelmente (ou nem tão visivelmente) consumiriam aqueles livros invisíveis. Insistia em que eu participasse do maior número possível de prêmios, mas sugeria que como medida de precaução mudasse o título dos contos se com um só, por exemplo, me inscrevesse em três concursos cujos resultados saíssem mais ou menos na mesma data. Dava como exemplo sua narrativa Ao amanhecer, que eu não conhecia e que ele havia enviado a vários certames literários quase de maneira experimental, como o porquinho-da-índia destinado a testar os efeitos de uma vacina desconhecida. No primeiro concurso, o mais bem pago, Ao amanhecer foi como Ao amanhecer, no segundo concurso se apresentou como Os gaúchos, no terceiro concurso seu título era Na outra pampa, e no último se chamava Sem remorsos. Ganhou no segundo e no último, e com o dinheiro obtido em ambos os prêmios pôde pagar um mês e meio de aluguel, em Madri os preços estavam nas nuvens. Claro, ninguém ficou sabendo que Os gaúchos e Sem remorsos eram o mesmo conto com o título mudado, mas sempre havia o risco de topar em mais de uma contenda com um mesmo jurado, ofício singular que na Espanha era exercido de forma contumaz por uma plêiade de escritores e poetas menores ou autores laureados em festas anteriores. O mundo da literatura é terrível, além de ridículo, dizia. E acrescentava que nem o repetido encontro com um mesmo jurado constituía de fato um perigo, pois estes geralmente não liam as obras apresentadas ou as liam por alto ou as liam mais ou menos. E com maior razão, dizia, quem sabe se Os gaúchos e Sem remorsos não são duas narrativas distintas cuja singularidade reside precisamente no título. Parecidas, muito parecidas até, mas distintas. A carta concluía enfatizando que o ideal seria fazer outra coisa, por exemplo viver e escrever em Buenos Aires, sobre isso poucas dúvidas tinha, mas que a realidade era a realidade, e a gente tinha que ganhar seus porotos (não sei se na Argentina o feijão é chamado de poroto, no Chile sim) e que por ora a saída era essa. É como passear pela geografia espanhola, dizia. Vou fazer sessenta anos, mas me sinto como se tivesse vinte e cinco, afirmava no fim da carta ou talvez num pós-escrito. A princípio me pareceu uma declaração muito triste, mas quando a li pela segunda ou terceira vez compreendi que era como se me dissesse: quantos anos você tem, pibe? Minha resposta, eu me lembro, foi imediata. Disse que tinha vinte e oito, três a mais que ele. Naquela manhã, foi como se eu recuperasse se não a felicidade, em todo caso a energia, uma energia que se parecia muito com o humor, um humor que se parecia muito com a memória.

Não me dediquei, como me sugeria Sensini, aos concursos de contos, embora tenha participado dos últimos daqueles que ele e eu havíamos descoberto. Não ganhei nenhum. Sensini voltou a fazer uma dobradinha, em Don Benito e em Écija, com uma narrativa que se intitulava originalmente Os sabres e que em Écija se chamou Duas espadas e em Don Benito O corte mais profundo. E ganhou um prêmio secundário no concurso da rede ferroviária espanhola, o que lhe proporcionou não só dinheiro mas também um passe para viajar de graça durante um ano.”

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