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Cidades da planície

Autor

Cormac McCarthy

Editora

Companhia das Letras

Tradução

José Antonio Arantes

Inteireza e justiça no coração de um cavalo

“... É um cavalo bom para tudo. Não é perfeito mas acho que vai ser cavalo de vaquejada.

Fico feliz de ouvir isso. Claro que você prefere um que se curva como serra de fita e corre de cabeça contra a parede do celeiro.

John Grady sorriu. O cavalo dos meus sonhos, disse. Não é bem assim.

Como é então?

Não sei. Acho que é só uma coisa que a gente gosta. Ou não gosta. A gente pode anotar na ponta do lápis todas as coisas boas de um cavalo e ainda assim não dá para saber se a gente gosta dele ou não gosta.

E se a gente anotar todas as coisas ruins?

Não sei. Digo que nessa altura você provavelmente já tirou uma conclusão.

Acha que tem cavalo tão mimado a ponto da gente não poder fazer nada com ele?

Acho que sim. Mas acho que não tantos quanto você imagina.

Talvez não. Você acha que um cavalo entende o que um homem fala?

Você quer dizer as palavras?

Não sei. Se entende o que um homem fala.

John Grady olhou pela janela. Havia contas de água na vidraça. Dois morcegos voejavam na luz do celeiro. Não, respondeu. Acho que ele entende o significado do que a gente fala.

Observou os morcegos. Olhou para Oren.

O que eu acho de um cavalo é que ele na maioria das vezes se preocupa com o que não sabe. Ele gosta de enxergar a gente. Se não pode, gosta de ouvir a gente. Talvez pense que quando a gente está falando não vai fazer alguma outra coisa que ele não sabe. 

Acha que um cavalo pensa?

Claro. Você não?

Acho sim. Tem gente que diz que não.

Bom. Tem gente que erra.

Acha que pode saber o que um cavalo pensa?

Acho que posso saber o que ele planeja fazer.

Geralmente.

John Grady sorriu. É, disse. Geralmente.

O Mac sempre afirmou que um cavalo sabe a diferença entre o certo e o errado.

O Mac está certo.

Oren fumou. Bom, disse. Sempre achei isso um pouco demais para eu engolir.

Acho que se ele não soubesse a gente não podia nem treinar ele.

Não acha que é só conseguir ele fazer o que a gente quer?

Acho que a gente pode treinar um galo para fazer o que a gente quer. Mas ele não vai ser teu. Tem uma maneira de treinar um cavalo que vira ele. Do jeito dele. Um bom cavalo faz uma ideia das coisas por ele mesmo. A gente enxerga o que se passa no coração dele. Não faz uma coisa quando a gente está observando ele e uma outra quando a gente não está. Tem inteireza. Quando um cavalo chega a isso você dificilmente consegue que ele faça alguma coisa que ele sabe que é errada. Ele resiste. E se a gente maltrata ele é o mesmo que matar ele. Um cavalo bom tem justiça no coração. Vi com os meus próprios olhos.

Você tem uma consideração por cavalos bem maior do que eu, disse Oren.

Na verdade não tenho tanta consideração assim. Quando garoto eu achava que sabia tudo o que tinha para saber sobre um cavalo. No que diz respeito a cavalos fui ficando cada vez mais ignorante.

Oren sorriu.

Se um homem entendesse mesmo os cavalos, disse John Grady. Se um homem entendesse mesmo os cavalos era capaz de treinar um só de olhar para ele. Não tinha mistério. Estou muito longe de trabalhar com um com trela. Mas também estou bem longe do que é possível.

Esticou as pernas. Apoiou o pé torcido sobre a bota.

Em uma coisa você está certo, disse. Na maioria das vezes são estragados antes de trazerem eles pra cá. São estragados na primeira sela. Mesmo antes disso. Os melhores cavalos são os que ficam soltos como garotos. Ou mesmo um cavalo bravo no campo que nunca viu um homem. Não tem nada para desaprender.

Acho que não é nada fácil convencer alguém a concordar com essa tua última opinião.

Eu sei.

Alguma vez amansou um cavalo bravo?

Sim. Mas nunca dá para treinar ele de fato.

Por que não?

As pessoas não querem que sejam treinados. Querem só que sejam amansados. A gente tem que treinar o dono.

Oren se inclinou e apagou o cigarro. Sei, disse.

John Grady ficou olhando a fumaça entrando no quebra luz acima da mesa. Talvez não seja verdade o que eu falei do cavalo que nunca viu um ser humano. Eles precisam ver gente. Precisam só ver por perto. Talvez só precisem pensar que as pessoas são árvores até o amestrador chegar.  

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