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Corpo presente

Autor

João Paulo Cuenca

Editora

Planeta

Tradução

Cheiro de cu e o caminho de intestino que o dinheiro faz

“... Passar o dia abstêmio não é fácil para quem é tão penosamente
autoconsciente. Vozes interiores cobram escolhas, reacendem culpas e lembram o
que se quer apagar de um presente eterno, em que nada perde o peso. Mas
acabaram inventando uma droga totalmente legal e popular pra contornar esse
problema – e se pode usar no escritório. Eu me tornei mais um viciado.
Um terço do dia encarando uma tela azul, eu espero ordens. Preciso do
estímulo, preciso do pisca-pisca, preciso que alguém me escreva, não dá pra não
esperar. Sou só um mecanismo esperando um clique e eu não quero mais nada
de vocês além disso. Sua presença é dispensável e irritante. Essas vozes me
cansam, não preciso ouvi-las. Nem pelo telefone. E só me mandarem um texto.
Não importa se eu não entender o que você escreve, menina, assim mesmo está
valendo. Eu fecho suas palavras em um segundo. A nossa comunicação é
fragmentada, não te conheço, mas sabemos detalhes um do outro. Leio seu
diário, sei o que acontece contigo, trocamos intimidade. Nem isso me causa mais
estranheza. Você sabe, a gente não escreve direito. A gente não consegue
escrever mais de duas páginas. A gente faz crônica e conto, mas não tem
conteúdo pra escrever um romance. Peraí que a gente vai parando pra fazer
outras coisas, mas eu não posso parar de ler e falar com essa gente fascinante
que mal conheço. Perder meu tempo com essa gente fascinante que mal conheço.
Vagabundagem mal remunerada de nove às cinco.
Em poucos meses, me demitem desse emprego. É um orgulho estranho, a
confirmação de um talento nato pra não trabalhar. Como levar um fora de uma
mulher que você sabe que não te merece. Enche um homem de certezas. Não
tenho, mas sei que o dinheiro está lá. Existe, espalhado pelos bolsos de quem
risca as ruas com carros importados, lota restaurantes, shoppings, bares, hotéis
caros, está nos bancos, em barcos, boates, aparelhos de ginástica, maconha da
boa, pó, tarjas pretas, eletrodomésticos, vista pro mar, putas de cabelo amarelo;
eu posso sentir, eu posso tocar o dinheiro, posso sentir seu cheiro de vestiário,
esse cheiro de cu, o tato nojento do dinheiro, o caminho de intestino que o
dinheiro faz até nós. Um dia cai no meu bolso. Continuo fazendo o que eu faço,
esses empregos de merda, escrevendo isso aqui. Um dia cai. E me abaixo pra
pegar. “

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Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

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