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De repente, uma batida na porta

Autor

Etgar Keret

Editora

Rocco

Tradução

Nancy Rozenchan

Criar algo a partir de algo ou criar algo a partir do nada

“ ... Os três estão sentados no sofá, o sueco à direita, depois o entregador de pizza, em seguida o pesquisador. “Não posso fazer isso assim” digo a eles. “A história não vai sair com vocês três aqui com essas armas e tudo o mais. Vão dar uma voltinha lá fora e, quando voltarem, terei algo para vocês.” “O babaca vai chamar a polícia”, o pesquisador diz ao sueco. “O que é que ele está pensando, que nascemos ontem?” Vamos, conta uma e a gente vai embora”, implora o entregador. “Uma curta. Não seja tão fresco. As coisas estão difíceis, você sabe. Desemprego, atentados, iranianos. As pessoas têm fome de algo mais. O que você acha que fez a gente, sujeitos cumpridores de lai, vir de tão longe até aqui? O desespero, cara, o desespero.”  

"Quatro pessoas se encontram em uma sala. Está quente. Estão entediadas. O ar-condicionado não funciona. Uma delas pede uma história. A segunda e a terceira juntam-se a ela..." "Isso não é uma história", o pesquisador protesta, "isso é um relatório. É exatamente o que está acontecendo aqui agora. Exatamente do que estamos tentando fugir. Não vai despejando a realidade sobre a gente assim, feito um caminhão de lixo. Usa a sua imaginação, irmão, inventa, deixa fluir, vai o mais longe que puder."

Começo de novo. "Um homem se encontra em uma sala, sozinho. Ele é solitário. Ele é escritor. Quer escrever uma história. Passou-se um longo tempo desde que escreveu a sua última, e ele sente saudade. Sente saudade da sensação de criar algo a partir de algo. Sim, algo de algo. Porque algo a partir do nada é quando se inventa. Não tem nenhum valor, qualquer um pode fazer isso. Mas quando é algo a partir de algo, é quando se descobre algo que existiu todo este tempo dentro de você, e se descobre isto como parte de algo novo, que nunca aconteceu. A pessoa decide escrever uma história sobre a situação. Não sobre a situação política e tampouco sobre a situação social. Decide escrever uma história sobre a situação humana, a condição humana do jeito que ele a está experimentando neste instante. Mas não surge nenhuma história, porque a condição humana do jeito que ele a está vivenciando agora pelo visto não vale uma história. Ele está prestes a desistir quando, de repente..." "Já o preveni", o sueco me interrompe, "sem batida na porta." "Eu preciso", insisto. "Sem uma batida na porta, não há história." "Tudo bem", o entregador diz com suavidade, "dê-lhe uma folga. Quer uma batida na porta? Que haja uma batida na porta. Contanto que tenhamos uma história.”

Sentir medo do nada

“ ... Há conversas que são capazes de modificar a vida de alguém. Tenho certeza disso. Quer dizer, quero acreditar. Sento num café com um produtor, Ele não é bem um produtor, jamais produziu alguma coisa, mas quer produzir. Tem uma ideia para um filme e quer que eu escreva roteiro. Explico-lhe que não escrevo para cinema e ele aceita isso e chama a garçonete, Estou certo de que vai pedir a conta, mas ele pede mais um expresso. A garçonete me pergunta se também quero mais alguma coisa, e eu peço um copo de água. O que quer ser produtor se chama Yossef, mas se apresenta como Josef. "Ninguém", diz ele, "é de fato chamado de Yossef. Sempre é Sefi ou Yossi ou Yos, então adorei Josef." Ele é perspicaz, esse Josef. Capta o que digo em um segundo, "Você está ocupado, não é?” diz, me vendo olhar o relógio, e logo acrescenta, "muito ocupada. Veja, trabalha, escreve e-mails.” Não há nenhuma maldade ou ironia no modo com que diz isso. É uma espécie de constatação de fatos, no máximo uma expressão de simpatia. Aceno com a cabeça. “Você tem medo de não estar ocupado?", pergunta. Aceno novamente. "Eu também", ele diz e sorri com os dentes amarelados. "Porque deve haver algo lá embaixo. Algo ameaçador. Não fosse assim, não trituraríamos o nosso tempo em fragmentos tão pequenos para toda espécie de projetos. E você sabe do que é que tenho mais medo?", pergunta. Eu hesito um instante, penso o que responder, mas Josef já continua. "De mim, do que eu sou. Você conhece esse nada que preenche você um instante depois que goza? Não com alguém que você ama, com qualquer uma. Ou quando você bate uma. Conhece isto? Disto, eu tenho medo, de espiar dentro de mim e não encontrar nada. Não simplesmente um nada padronizado. Um nada angustiante, não sei exatamente que nome dar a isso..."”

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