menu

Enterre seus mortos

Autor

Ana Paula Maia

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Quando se anda a um passo atrás da morte

“ … Edgar Wilson se despede dos amigos e sai do bar. Entra no carro e decide dirigir um pouco, antes de ir para o seu quartinho espremido. As horas de chuva deixaram o ar mais agradável, e o cheiro do mato molhado e o vento fresco lhe trazem certa paz de espírito. Liga o rádio do carro no volume baixo e mantém a velocidade em sessenta por hora. Acende um cigarro e com o braço apoiado para fora da janela murmura a canção que toca. Segue o caminho para a pedreira, que a esta hora está adormecida. Margeia o rio até pegar um desvio, e depois de percorrer mais dois quilômetros estaciona num pátio improvisado ao lado de tratores e retroescavadeiras. Edgar desce do carro e caminha até bem perto do precipício que se formou devido às explosões na rocha de calcário. Senta-se numa pedra e permanece olhando para o abismo. Envolto na escuridão, é possível ver um enxame de vaga-lumes que voam de um lado para outro. Edgar acende um cigarro e, quieto, da maneira que gosta de permanecer, observa a dispersão dos pontos de luz sobre a camada negra que cobre o princípio do abismo na ponta dos seus pés. O som da noite está repleto de zumbidos e crocitares que ecoam de direções diversas. A silhueta da imensa rocha de calcário dilapidada transforma o aspecto do horizonte. Na escuridão, faz lembrar um homem deitado com as mãos sobre o peito. Assim, o luto e a morte se instalam na paisagem modificada pelas explosões de dinamite.



Edgar Wilson nunca conheceu trabalho que não estivesse ligado à morte. Sempre esteve um passo atrás dela, que invariavelmente encontra todos os homens, de maneiras diferentes. Teme morrer porque acredita em Deus. Crer em Deus o leva a crer no inferno e em todas as suas consequências. Se não fosse isso, seria apenas mais um corpo com as mãos sobre o peito. Não sabe que espécie de fim está reservado a ele. Mas diante dos mortos, seja humano, seja animal, ele não se mantém insensível. Não existe sentimento de desprezo maior do que abandonar um morto, deixá-lo ao relento, às aves carniceiras, à vista alheia. ”

Mais de

Ana Paula Maia

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna