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Feliz ano velho

Autor

Marcelo Rubens Paiva

Editora

Brasiliense

Tradução

Sábado de carnaval a quarta-feira de cinzas

“... Claro que tem gente que leva o carnaval numa boa, principalmente
quem é batuqueiro, passista de escola de samba, neguinho com ginga nos pés,
turista americano, dono de hotel carioca, políticos da situação.
Samba, praia e futebol dão charme pra esse país com fome, doença e
repressão.
Meus carnavais sempre foram longe dos carnavais. Acampar em praias
desertas, pegar onda, ir pra Mauá, Búzios. Mas no último carnaval assumi minha
brasilidade: fui pra São João da Boa Vista e desfilei na avenida. Os caras que eu

conhecia de lá fizeram um bloco (Um dois feijão com arroz) e me convidaram pra
participar.
Era o Bloco da Abertura. Na frente, iam dois sacos enormes levados por
alguns burgueses, e, atrás de uns guardas, ia mais gente tipo estudante, dona de
casa, operário. Eu não tinha muito a ver com a história, mas saí mesmo assim,
realizando um grande desejo da minha vida: saí de prostituta.
Coloquei uma minissaia vermelha e um colant preto. Nas pernas, uma meia
preta. Bem maquiado, cabelo comprido, garanto que deixei muita gente na dúvida.
Saímos atrás de uma escola de samba da cidade. Sentia-me a própria
vedete. Todo o mundo assobiava pra mim. Aproveitei e entrei na dança. Ficava
mandando beijinhos, cantava os guardinhas que protegiam a avenida. Levei até
uma lata de cerveja na cabeça, provavelmente de alguma senhora com ciúmes de
mim, pois mandava beijinhos pra todos os homens da avenida.
Ainda na volta pra São Paulo, ouvi pelo rádio do carro a proclamação do
bloco vencedor: em primeiro lugar, o bloco Um dois feijão com arroz.
Era óbvio o resultado, a prefeitura de São João era do MDB, sendo que o
prefeito (Nelsinho) era amigo nosso. Ganhamos um troféu que nunca vi e a glória
de, mais uma vez, a classe média passar por cima dos sambistas, pela virtude
intelectual (que porra!).
Carnaval em hospital significa outra coisa: ausência de médicos e
fisioterapeutas, enfermeiros irritados por terem que fazer plantão, silêncio no
corredor.
A pressão não subiu, a temperatura ficou nos 36,5, urina clara, evacuação
normal, pernas sem dar sinal de vida e, pela porta do meu quarto, entrou uma
visita especial.
Um encanto de menina. Maíta, que estudou comigo no Santa Cruz e agora
fazia Psicologia na USP. Uma graça. Foi a primeira amiga mulher que tive na minha
volta a São Paulo, em 74. Lembrei-me que tanto eu quanto ela não conhecíamos
muita gente na escola, e ficávamos juntos no recreio, até que descobri que o
caminho que ela fazia de volta pra casa era o mesmo que o meu, com uma
diferença: eu ia de ônibus, e a mãe dela a buscava. Comecei a pegar carona no
velho e simpático Aero-Willis da família Maíta.
Lembro-me bem da solidão no colégio, e nós brincávamos que íamos roubar
aquele Aero-Willis e fugir juntos.
Agora, tinha vindo passar o carnaval comigo (não é uma graça?) e me
trouxera até um livro de contos com o nome dela e a seguinte dedicatória:
"Marcelo, de nós todos pra você, com um beijo especial de cada um."

Logo depois veio a filha do meu dentista, também passando o carnaval em
São Paulo. Trouxe dezenas de revistinhas da Mafalda e do Snoopy pra mim. Veio
também o Carca, outro amigão do Santa Cruz (aquele do carnaval neurótico).
Estava formado o bloco carnavalesco dos que não gostavam de carnaval.
Foram quatro dias de muito papo. Cada um chegava mais ou menos às duas da
tarde e saía lá pelas onze da noite. Um tremendo coleguismo ao meu redor, de
gente que me curtia e tava a fim de ficar ali abobrinhando.
Com cada um eu tinha uma relação especial, mas, juntos éramos um só. Uma
quadra de ases rindo dos palhaços, confetes e serpentinas. “

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Brasiliense

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