História natural da ditadura

“ ... Eu estava apaixonado por ela – lembro-me de segurar-lhe as mãos nas minhas durante o trajeto de táxi que nos levou da estação ao endereço de nosso apartamento quando chegamos em Paris, e já não éramos propriamente adolescentes, para dizer o mínimo – e rapidamente nos decidimos a tirar aquele peso de cima de nós, a tirar o peso das coisas embora as coisas pesadas não fossem apenas aquelas da ditadura mas outras também, pessoais, que carregávamos conosco. Tirar um pouco o peso das coisas, quer dizer, um pouco à maneira do que Ítalo Calvino depois escreveria nas Lezione americane (Sei proposte per il prossimo milenio) quando ele diz que o que havia tentado fazer em sua longa carreira de escritor fora sempre tentar tirar o peso das coisas – na alusão claríssima, para quem conhece um pouco a história da arte e sobretudo da escultura, ou para quem conhece um pouco da história de Michelangelo, uma alusão claríssima ao método de trabalho desse artista da Renascença italiana que em sua próprias palavras sempre preferiu o que chamou de método de tirar ao que chamou método de pôr, com o que ele se referia aos dois modos de realizar uma escultura, aquele que consiste em acrescentar mais matéria a alguma matéria inicial, o método do pôr, e aquele que ele praticava e que consistia em tirar matéria de alguma matéria, o método do tirar. A referência a Michelangelo é claríssima, lendo as palavras que depois lemos de Calvino, e no entanto Calvino não o cita no livro todo a não ser uma única vez, em relação, bem mais adiante, a uma passagem onde mistura Dante, Moisés, Deus e Inácio de Loyola, numa prática muito comum, mesmo entre os escritores consagrados como o próprio Calvino ou o próprio Sartre, essa de não citar as fontes de inspiração.”

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