menu

Independência

Autor

Richard Ford

Editora

Record

Tradução

Marcos Santarrita

Outros destinos para um livro

“... Tampouco é a primeira vez que dou por acaso com meu livro às cegas: vendas beneficentes para a igreja, sebos de calçada em Gotham, vendas por motivo de mudança em incríveis cidades do Meio-Oeste, numa noite de chuva em cima de uma lata de lixo atrás da Biblioteca Pública de Haddam, onde eu tateava no escuro em busca de abrigo para notívagos. E uma vez, para minha consternação, na casa de um amigo pouco depois de ele estourar os miolos, embora eu jamais achasse que meu livro houvesse desempenhado qualquer papel nisso. Depois de publicado, um livro jamais se afasta tanto de seu autor.

Mas sem dedicar um único pensamento ao seu valor absoluto, pretendo pôr meu livro nas mãos de Char assim que ela chegar e dizer a palavras que mal posso esperar para dizer: "Quem você acha que escreveu isto, que encontrei bem aqui na estante embaixo do retrato de Natty Bumppo e juntinho dos J.F. Coopers?" (Minhas duas imagens serão a prova.) E não que vá ter algum efeito favorável sobre ela. Mas para mim, encontrá-lo ainda em "uso" é um ponto alto na manifestação das ansiadas emoções literárias – juntamente com a visão de alguém que não conhecemos devorando nosso livro num ônibus interurbano na Turquia; ou notando nosso livro na estante atrás do moderador do programa de entrevistas Meet the Press, na televisão, ao lado de A Riqueza das Nações e Gigantes da Terra; ou ver o livro da gente numa lista de obras primas americanas ignoradas compilada por ex-membros do círculo íntimo do governo Kennedy. (Ainda não tive ne nenhuma dessas sortes.)

Sopro a poeira e corro o dedo pelo corte das páginas para encontrar a mancha vermelha original, depois volto para a frente e examino página do índice, doze títulos curtos, cada um deles tão sério quanto uma elegia: "Palavras para morrer", "O focinho do camelo", "Epitáfio", "Ala noturna", "Espera ao largo", até o conto-título – considerado minha "chance" de alguma coisa a expandir num romance e com isso explodir.

O livro, na verdade, parece jamais ter sido aberto (só levou chuva). Passo pela dedicatória – "A meus pais" (quem mais?) – volto à página de rosto, pronto para encontrar os secos "Frank Bascombe", "Outono azul" e "1969", compostos em robusto tipo Ehrhardt, fácil de ler, e sentir a velha sincronicidade se estender sobre mim no aqui e agora. Só que o que meus olhos encontram, escrito em azul na página de rosto, e numa letra que não conheço, é: "Para Esther, lembrando aquele outono realmente bleu com você. Te amo, Dwayne. Primavera de 1970", tudo borrado com batom e escrito embaixo. "Dwayne. Rima com sofrimento. Rima com trepar. Rima com o maior erro de minha vida. Com desprezo por você e seus truques baratos. Esther. Inverno de 1972." Há um grande beijo vermelho estampado na página embaixo da assinatura de Esther, ligado por uma seta às palavras "Meu rabo", também com batom. É um bocado diferente – por ser muito menos – do que eu esperaria.

Mais de

Richard Ford

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna