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Naufrágios

Autor

Giselda Leirner

Editora

Editora 34

Tradução

O terror das coleiras, correntes e degolas

“... Johannes passou de amorosa e delicada figura paterna a rude e bárbaro algoz, com alternâncias humor. Começou a aparecer uma crespa rusticidade nos gestos. Os cabelos e barba densos cresciam na mesma medida. Passava repentinamente da tranquilidade à agitação. Ficou encerrado no quarto vários dias, até que resolveu levar Maria, Rita e os cachorros para passear no jardim. Com cuidado pôs coleiras com longas correntes nos pescoços das jovens e dos animais.

As irmãs, felizes de estar pela primeira vez fora de casa, respirando o perfume e sentindo na pele o sol que já desaparecia aos poucos, não se incomodam em estar presas a correntes. Andavam tranquilas, atadas a uma mão forte, que as mantinha assim, como duas brancas garças presas para não voar. Mesmo se pudessem, não teriam voado naquele momento, tal era a doçura que sentiam no ar e a paz que lhes vinha com a brisa suave e calma que aos poucos foi se transformando.

Um vento seguido de fortes rajadas trouxe repentinamente a tempestade e o rumor do mar distante que se fazia ouvir.

O céu tornou-se rapidamente negro, iluminado por raios que o cortam. Caía uma forte chuva. Apesar de encharcados e dos ganidos e puxões dos cães assustados, caminharam vagarosamente até a casa.

Não havia empregados neste domingo. Subiram aos quartos onde Johannes, removendo-lhes as coleiras, ordenou que tirassem as roupas molhadas. Não se moveram. Tomado pela fúria que o acometia nos últimos tempos, arrancou-lhes a roupa do corpo. Quando as viu nuas pela primeira vez, absolutamente idênticas, foi tomado por uma vertigem que o obrigou a sentar-se, olhando para as mãos trêmulas como se as visse também nuas e pela primeira vez.

As duas jovens continuavam em pé, olhando para fora, onde a tormenta aumentava. Estavam calmas e esperavam. Johannes mandou que se deitam na imensa cama e, sentado frente à lareira, ali ficou por muito tempo, até amainar o temporal.

Maria e Rita já dormiam, de mãos dadas. Chegou-se à cama e olhou longamente os corpos deitados. Eram magras, muito brancas, só se diferenciavam pela cor dos cabelos. Cobriu-as e deitou-se no sofá, onde ficou bebendo até dormir.

Ao amanhecer teve um sonho curto e violento. Sua mulher o olhava e ria. Um riso luciferino. Subiu em seu corpo e, ainda rindo, cavalgou sobre ele e fez com que a penetrasse. Quando olhou para o rosto da mulher, eram as duas cabeças das gêmeas, assim como Janus, viradas para lados opostos. Acordou com o seu próprio grito de terror.

Foi até a cama e, com inusitada selvageria, possuiu primeiro uma, depois a outra, e assim continuou até chegar ao ponto de exaustão, quando adormeceu pesadamente.

As duas virgens deitadas, silenciosas, se abraçaram em um longo e amoroso encontro. Beijavam-se, encontrando uma o corpo da outra, quando o prazer surgiu pela primeira vez. E o amor era tão grande, e tamanha a doçura de suas carícias, que, sem falar, planejaram juntas, em pensamento, o que sucedeu depois.

Sem pronunciar palavra, trancaram os cães no banheiro, vestiram os quimonos brancos e muito vagarosamente, sem nenhum sobressalto, cobriram com um travesseiro o rosto do homem que agora era só um corpo.

Enquanto Rita segurava com força o travesseiro, Maria, com uma navalha retirada da sala de banho, cortou, num golpe certeiro, a jugular de lado a lado do pescoço. Não houve muita luta. Ficou ali sangrando, feito imenso boi esquartejado.

Movimentando-se como em câmera lenta, retiraram os quimonos encharcados de sangue, e os deitaram sobre o corpo, onde foram se transformando em pesado vermelho, que agora inundava a cama inteira.

Lavaram-se e vestiram suas velhas roupas. Desceram a longa escadaria sem fazer ruído e em poucos segundos já estavam do lado de fora, onde o dia começava a clarear, límpido e fresco depois da tormenta da noite passada. Caminharam em direção ao convento, que não era longe dali. Ao chegarem, perguntaram por Madre Edith, e lhe contaram tudo em poucas palavras. A Madre nada disse, só aproximou-se do crucifixo, ajoelhou-se, e assim ficou por longo tempo.

As irmãs permaneceram em pé. Esperando. Sempre esperando. Depois, encaminhadas a uma cela, dormiram longamente.”

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Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

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