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O Estrangeiro

Autor

Albert Camus

Editora

Abril

Tradução

Antonio Quadros

O último desejo de um condenado: o bom funcionamento da guilhotina

“ ... Lembrei-me nestes momentos de uma história que a minha mãe costumava contar-me a respeito do meu pai. Eu nunca o conhecera. Tudo o que sabia de preciso a respeito deste homem era talvez o que a minha mãe então me dizia: fora assistir à execução de um assassino. A ideia de ir punha-o doente. Mas não deixara de ir, e à volta vomitara durante quase todo o dia. Isto o diminuía, a meu ver. Agora, porém, compreendia-o, a reação era tão natural... Como não percebera eu que não havia nada mais importante do que uma execução capital e que, sob um determinado ponto de vista, era mesmo a única coisa verdadeiramente interessante para um homem?! Se por acaso saísse da prisão, iria assistir a todas as execuções capitais. Fazia mal, julgo eu, em pensar nesta possibilidade. Pois à ideia de me ver livre uma destas manhãs, atrás de um cordão de polícias e, do outro lado, à ideia de ser o espectador que veio assistir, uma onda de alegria envenenada me subia ao coração. Mas não era razoável. Andava mal em abandonar-me a estas suposições porque, uns instantes depois, vinha-me um frio tão horrível, que tinha que me encolher debaixo dos cobertores e batia os dentes sem conseguir dominar-me.

Evidentemente, nem sempre nos podemos manter razoáveis. Outras vezes, por exemplo, fazia projetos de lei. Reforma Aos castigos a aplicar. Observara já que o essencial era dar ao condenado uma oportunidade. Para as coisas correrem melhor, bastava uma sobre mil. Parecia-me, por conseguinte, que se podia obter um composto químico cuja absorção mataria o paciente nove vezes em dez. Este estaria a par de tal possibilidade. Porque, pensando bem, considerando as coisas com calma, verificava que o que havia de defeituoso na guilhotina era não existir nenhuma possibilidade de salvação, absolutamente nenhuma. A morte do paciente, em suma, era decidida de uma vez para sempre. Era um caso arrumado, uma combinação que não mais se podia desfazer, um acordo resolvido e sobre o qual não se podia voltar atrás. Se, por exceção, o maquinismo falhava, recomeçava-se do princípio. Como consequência, o aborrecido é que isto levava o condenado a desejar o bom funcionamento da máquina. Digo que é o lado defeituoso da coisa. O que, num determinado sentido, é verdade. Mas, por outro lado, via-me obrigado a reconhecer que residia aí todo o segredo da boa organização. Numa palavra, o condenado sentia-se obrigado a colaborar moralmente. Era do seu interesse que tudo marchasse sem empenos.“

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