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O galo de ouro e outros textos para cinema

Autor

Juan Rulfo

Editora

Civilização Brasileira

Tradução

Eric Nepomuceno

Sentir quando se ganha uma briga

“... Com o dinheiro ganho em San Juan del Rio, deu para percorrer caminhos mais longos. Dionisio mergulhou no caminho de Zacatecas, onde sabia que apostavam pesado. O homem que havia sido seu padrinho convidou-se para ir junto; mas Dionisio Pinzón preferiu ir sozinho, pois o pouco tempo em que esteve com ele serviu para ver que, embora seus conselhos pudessem ser úteis, era um homem que procurava tirar vantagem apenas em seu próprio proveito. Dali para a frente, o que ganhasse seria só para ele.

Durante algum tempo, sabe Deus por que povoados andou. Mas o fato é que quando chegou a Aguascalientes, para a feira de San Marcos, seu galo ainda estava vivo, e Dionisio já se vestia de outro modo: de luto, como continuaria se vestindo o resto da vida.

Nunca antes havia estado em Aguascalientes. Estava animado pelos melhores propósitos, pois ia ver se o seu galo valia mesmo, diante dos finos animais que eram levados até lá. Só eram admitidos – assim rezava o regulamento – galos de Brava Linhagem, chamados desse jeito porque são os primeiros a atacar, e de Linhagem Suprema, que são brigadores constantes, dão golpes decisivos e mostram coragem até os últimos instantes de vida.

Dionisio Pinzón ia provar se contava com um galo desses ou se, ao contrário, caso se visse diante de um animal da sua mesma condição e ímpeto, seu galo ia baixar a crista.

Inscreveu-o na "Mochiller" do segundo dia das brigas de galos. (Chamam de "Mochiller" o primeiro galo que disputa a aposta, e, para distingui-lo dos outros, a luta é aberta com maior quantidade de dinheiro.)

Ali em Aguascalientes topou de novo com o padrinho de San Juan del Río. Desta vez, o homem parecia disposto a aconselhá-lo, pois não achava que Dionisio Pinzón fosse uma boa carta contra os verdadeiros e experientes galeiros da feira de San Marcos. E não era só isso: na primeira oportunidade que tiveram de se falar, o padrinho disse:

— Para você, o melhor seria estar perambulando pelos povoados com esse galo rabão; aqui vão te depenar.

— É que eu não tenho nada a perder. Não foi o que o senhor me disse?

— Os poucos milhares de pesos que você pode ter ganhado nessas andanças... Além do mais, lembre-se de que a sorte não anda em lombo de burro.

— Por isso mesmo não quis andar com o senhor — disse Dionisio Pinzón. E se separaram para sempre.

Quando ainda se ouviam os aplausos do público da rinha para atuação das cantadoras, e depois que o apresentador tinha anunciado o começo das brigas daquela tarde, Dionisio Pinzón viu-se acareando seu dourado com um galo puba e gambeteiro, ouviu o montante das apostas; viu como, pouco a pouco, iam se acumulando em favor do seu adversário e, apesar de os revides caírem a granel, talvez apostados por um público desinteressado ou desconhecedor, sentiu um pouco de medo. Quando notou que o soltador do galo adversário espertava o bicho irritando-o com batidas na cabeça, sentiu que ia ganhar a briga: seu dourado, acostumado ao bom trato, sabia jogar limpo e abater com facilidade os valentões.

E assim foi. O outro fazia firulas, mas o dourado não se interessou pela cabeça movediça do adversário: ao contrário, procurava atacar de lado, navalha contra navalha, dando saltos contra o peito e puxando-o com as patas, enquanto o outro corcoveava com a cabeça como um lutador de boxe, tentando fazer fintas, mas deixava o corpo quase imóvel. Foi ali, na anca, que o dourado enterrou a navalha, tombando o rival, que ficou escarrapachado procurando onde cravar o bico.

— Golpe final! gritou o apresentador. — Nochistlán perdeu! Todo mundo contente! Aaa-bram as portas!



Na cadeia de Celaya

andei preso sem delito,

por uma flor infeliz,

bicada pelo meu passarinho;

mentira, não fiz nada

ela já tinha o seu buraquinho...



Aquela canção alvoroçada das cantadoras, que rompeu murmúrio e a tensão da rinha, teve um gostinho de glória para Dionisio Pinzón, que recolheu o seu galo salpicado de sangue, mas inteiro, e outra vez sem nenhuma ferida.

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Juan Rulfo

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