O livro dos Mandarins

“... P**** não gosta muito de encontros informais, sobretudo estes com
quinze pessoas que se reúnem para não fazer nada, talvez dar umas risadas,
relaxar um pouco e com certeza perder muito tempo. No caso, inclusive, ele
achou dispensável até mesmo a confraternização de despedida. Os diretores
presentes, com certeza mortos de inveja (do bônus ninguém sabe ainda, nem
mesmo o próprio P**** teve tempo de conferir o valor), o abraçaram o mais
rápido que podiam, alguns desejando boa sorte, e logo foram para as pequenas
rodinhas perto das bebidas.
Apenas o Paulo, que com aquela idade já não tem muitas pretensões no
banco, procurou puxar um pouco de conversa, reforçando a ideia do tal livro,
quem sabe nos momentos de descanso na China. p**** fez que sim com a

cabeça, garantindo que vai mesmo escrevê-lo, e pediu para que os dois se
afastassem um pouco Olha, agora que eu estou deixando o banco no Brasil
(provavelmente para nunca mais voltar), vou te falar com toda sinceridade: se
você não demitir aquele filho da puta do Godói, aquele diretor que trabalha com
você, mais cedo ou mais tarde, e a bem da verdade ele já deve ter feito isso, o
cara vai te trair.
Mas a conversa teve que ser interrompida porque o amigo Paul, voltando,
queria falar algumas palavras. Essas mesmas que os vice-presidentes já
esperavam. Depois, um por um, eles abraçaram de novo o P**** e os mais
seguros até deram no colega alguns tapinhas nas costas. Como a dor estava
exatamente abaixo do ombro direito, os cumprimentos recaíam todos sobre ela.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, isso não traz nenhum
sofrimento para o P****. Depois de alguns tapas, de qualquer intensidade, a dor
apenas se torna um calombo enrijecido e perde por algumas horas a mobilidade.
Só isso, nem melhor, nem pior. Antes de sair, o amigo Paul ainda recomendou, de
brincadeira, que o P**** tomasse cuidado com o sal. Afinal de contas, agora ele é
um dos principais nomes do banco no mando inteiro. Um frio na espinha
percorreu as costas do P****, mas como a dor havia se transformado em um
calombo, bem longe da espinha dorsal, ele pôde voltar sem nenhum problema
para sua sala.
Antes de terminar de empacotar as últimas coisas, P**** escreveu um e-
mail para a secretária, explicando que tinha reavaliado a situação profissional dela
e que a experiência com a redação da carta para o Projeto China a havia tornado
uma funcionária muito mais sofisticada. Paula devia ficar feliz, pois o banco
reconhecia seu valor e tinha decidido mantê-la no cargo.
Paula saiu do banco às onze horas da manhã para nunca mais ver aquele
filho da puta na frente.
Quando todos os funcionários já tinham retornado do almoço, P****
perguntou sobre a secretária, mas ninguém sabia dizer onde ela tinha se metido.
Enfim, havia chegado o momento de agradecer-lhes, pois sem eles o
departamento não teria se tornado fundamental para o banco, e nem tão
produtivo. P**** deseja boa sorte a todos, explica que por enquanto eles ficarão
sem um diretor – ou seja, devem apenas continuar o que estão fazendo – mas já
na semana seguinte terão alguma posição definitiva sobre isso. Ele não sabe dizer
se virá alguém de fora ou se o banco vai reestruturar a própria equipe.
P**** apertou a mão de um por um e, em silêncio, caminhou até o
elevador. Se o Godói aparecer, ah, agora sim, ele diz todas as verdades. Sua
única companhia até a garagem foi uma faxineira, porém. Pelo jeito que ela o

olhou, com certeza está sabendo da dor nas costas. Mas agora essa gentinha já
não tem mais nenhuma importância para a vida dele. “

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