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O lugar

Autor

Annie Ernaux

Editora

Fósforo

Tradução

Marília Garcia

O escrever triste a imagem do pai

“... Escrevo bem devagar. Enquanto me esforço para reconstruir a trama de significados de uma vida, levando em conta acontecimentos e escolhas, tenho a sensação de que vou perdendo, na essência, a figura do meu pai. O plano traçado tende a ocupar todo o espaço, a ideia vai caminhando sozinha. Por outro lado, se me entrego às imagens da memória, vejo meu pai tal como ele era, o sorriso, o modo como caminhava, nós dois no parque de mãos dadas e o carrossel que me enchia de medo. Desse modo, todos os indícios de uma condição partilhada com os outros se tornam, para mim, indiferentes. A cada vez, me esforço para escapar da armadilha do ponto de vista individual.

Naturalmente, não sinto alegria escrevendo este livro, com empenho em me manter o mais perto possível das palavras e das frases ouvidas, que vez ou outra coloco em itálico. Não busco, com tal recurso, indicar um duplo sentido ao leitor, oferecendo-lhe o prazer da cumplicidade. Recuso essa atitude em todas as suas formas: nostalgia, comoção, ironia. Uso os itálicos porque essas frases expressam os limites e dão o colorido ao mundo em que meu pai viveu e em que eu também vivi. Onde nuca se usavam palavras novas para substituir outras...



A naturalidade de uma escrita neutra



“... Depois, ao longo do verão, enquanto esperava meu primeiro cargo de professora, pensei: “um dia terei que explicar todas essas coisas”. Ou seja, terei que escrever sobre meu pai, sobre a vida dele e sobre essa distância entre nós dois, que teve início em minha adolescência. Uma distância de classe, mas bastante singular, que não pode ser nomeada. Como um amor que se quebrou.

Em seguida, comecei a escrever um romance cujo personagem principal era ele. No meio da narrativa, tive uma sensação de mal-estar.

Só há pouco percebi que escrever o romance é impossível. Para contar a história de uma vida regida pela necessidade, não posso assumir, de saída, um ponto de vista artístico, nem tentar fazer alguma coisa “cativante” ou “comovente”. Vou recolher as falas, os gestos, os gostos do meu pai, os fatos mais marcantes de sua vida, todos os indícios objetivos de uma existência que também compartilhei.

Nada de memória poética, nem de ironia grandiloquente. Percebo que começa a vir com naturalidade uma escrita neutra, a mesma escrita que eu usava em outros tempos nas cartas que enviava aos meus pais contando as novidades...

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