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O outono do patriarca

Autor

Gabriel García Márquez

Editora

Remy Gorga, Filho

Tradução

Record

Atestado de óbito: único documento válido de um presidente derrubado

“... (...)passava a tarde jogando dominó com os antigos ditadores de outros países do continente, os pais destronados de outras pátrias a quem ele havia concedido asilo ao longo de muitos anos e que agora envelheciam na penumbra de sua misericórdia sonhando com o barco quimérico da segunda oportunidade nas cadeiras dos terraços, falando a sós, morrendo mortos na casa de repouso que ele havia construído para eles no mirante do mar depois de haver-lhes recebido a todos como se fossem um só, pois todos apareciam de madrugada com o uniforme de gala que haviam vestido pelo avesso sobre o pijama, com um baú de dinheiro saqueado do tesouro público e uma maleta com um estojo de condecorações, recortes de jornais colados em velhos livros de contabilidade e um álbum fotografias que o mostravam a ele na primeira audiência como se fossem credenciais, dizendo olhe o senhor, general, este aqui sou eu quando era tenente, aqui foi no dia da posse, aqui foi no décimo-sexto aniversário da tomada do poder, aqui, olhe o senhor, general, mas ele lhes concedia asilo político sem lhes prestar maior atenção nem examinar credenciais porque o único documento de identidade de um presidente derrubado deve ser o atestado de óbito, dizia, e com o mesmo desprezo escutava discursinho ilusório de que aceito por pouco tempo sua nobre hospitalidade enquanto a justiça do povo ajusta contas com o usurpador, a eterna fórmula de pueril solenidade que pouco depois ele escutava do usurpador, e logo do usurpador do usurpador como se não soubessem os muito estúpidos que neste negócio de homens aquele que caiu caiu, e a todos hospedava por uns meses no palácio, obrigava-os a jogar dominó até despojá-los do último centavo, e então me levou pelo braço frente à janela do mar, ajudou-me a arrepender-me desta vida punheteira que só caminha para um único lado, consolou-me com a ilusão de que fosse para lá, olhe, lá, naquela casa enorme que parecia um transatlântico encalhado no cimo dos arrecifes onde tenho um aposento com muito boa luz e boa comida, e muito tempo para esquecer junto a outros companheiros em desgraça, e com uma varanda marinha onde ele gostava de sentar-se nas tardes de dezembro não tanto pelo prazer de jogar dominó com aquela cáfila de velhos malucos senão que para desfrutar da sorte mesquinha de não ser um deles, para olhar-se no espelho de escarmento da miséria deles enquanto ele chapinhava no grande lamaçal da felicidade, sonhando só, perseguindo na ponta dos pés como um mau pensamento às pacientes mulatas que varriam a casa civil na penumbra do amanhecer, farejava seu rastro de dormitório público e brilhantina de botica, espreitava a ocasião de encontrar-se com uma sozinha para fazer amor como o galo atrás das portas dos gabinetes enquanto elas rebentavam de riso na sombra, que bandido meu general, tão velho e ainda tão tarado, mas ele ficava triste depois do amor e punha-se a cantar para consolar-se onde ninguém o ouvisse (...)

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Gabriel García Márquez

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Design e mentoria por Victor Luna

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