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Os irmãos karamázovi

Autor

Fiodor Dostoiévski

Editora

José Olympio

Tradução

Rachel de Queiroz

Amar a vida para desvendar o seu sentido

“... Compreendo muito bem, Ivan. A gente quer amar com o coração, com as entranhas. Disseste isso multo bem e fico contentíssimo ao ver que tens tanto desejo de viver. Penso que, antes de tudo, é preciso amar a vida.

— Amar a vida mais que o sentido da vida?

— Isso mesmo! Amá-la antes da lógica, como tu o disseste: sim, antes que à lógica: e só assim lhe compreenderemos o sentido. É isso que ando entrevendo vagamente, há algum tempo. E metade da tarefa já está feita, Ivan: tu amas a vida. Agora, é preciso que consigas realizar a segunda parte, e estarás salvo.

— Ai, já estás a cuidar da minha salvação; mas talvez eu ainda não esteja perdido! Em que consiste pois a segunda metade?

— É preciso que ressuscites os teus mortos... que talvez ainda estejam vivos... Vamos, serve-me chá. Sinto-me feliz em conversar contigo, Ivan.

— Pelo que vejo estás inspirado. E me agradam extraordinariamente essas professions de foi de... noviços como tu. Tu és um homem de fibra, Alioscha. É verdade que pretendes deixar o mosteiro?

— Sim. O meu starets mandou-me para o mundo.

— Então, tornaremos a nos encontrar no mundo; haveremos de nos encontrar antes que eu atire fora o cálice. Nosso pai – esse não quer separar-se da taça antes dos setenta anos, ou oitenta, talvez: ele mesmo o disse. E por mais palhaço que seja, afirma isso a sério. Agarra-se à sua luxúria como a uma rocha... A falar verdade, depois dos trinta anos a gente não se pode manter na vida senão graças luxúria... Mas viver assim até os setenta anos, é por demais ignóbil! é melhor parar aos trinta, A gente consegue então obter certa “aparência de nobreza” engando-se a si próprio...



Uma estranha forma de pedir perdão



“... Quando chegamos, o meu adversário e o seu padrinho já estavam lá, esperando. Colocaram-nos a doze passos um do outro; ele devia atirar em primeiro lugar; fiquei à sua frente, multo alegre, olhando-o afetuosamente nos olhos; já sabia o que iria fazer. Ele atirou. A bala apenas me arranhou a face e a orelha. "Graças a Deus, exultei, o senhor não matou um homem!" Segurei a pistola, virei-me e atirei-a no mato. "É ai o teu lugar!" gritei. Depois voltei-me para o meu adversário: "Cavalheiro, perdoe ao louco que sou tê-lo ofendido, perdoe tê-lo obrigado depois a atirar em mim. Sou dez vezes pior do que o senhor. Diga isso da minha parte à pessoa que o senhor mais estima neste mundo." Mal articulei isso, puseram-se os três a protestar: "Que está fazendo? exclamou o meu adversário, furioso. Se não pretendia bater-se, por que nos incomodou?" "Ontem, falei alegremente, eu ainda era um louco, mas hoje recuperei o senso." — "Quanto a ontem, concordo, mas hoje é difícil de julgar, vendo-se o seu procedimento." — "Bravo! repliquei, batendo palmas, nesse ponto estou de acordo com o senhor, bem o mereci." "Val atirar, cavalheiro? Sim ou não?"— "Não, atire outra vez, se quiser, mas seria melhor se o não fizesse."

As testemunhas gritavam e se agitavam, sobretudo o meu padrinho. "Você está desonrando o regimento, pedindo perdão no terreno do duelo? Se eu soubesse!" Mas encarei a todos, e disse sem rir, dessa vez: "Cavalheiros, então é coisa tão extraordinária na nossa época encontrar-se um homem que se arrependa da sua tolice, e a reconheça publicamente?" "Sim, mas não no terreno, replicou a minha testemunha." — "É isso principalmente que é penoso, e é nisso que está a dificuldade: eu gostaria de pedir desculpas logo à chegada, antes que o meu adversário atirasse, impedindo-o assim de cometer um pecado mortal; mas organizamos nossa existência de modo tão monstruoso que me era quase impossível agir dessa maneira; e só depois de me submeter ao tiro do meu adversário, a doze passos de distância, é que minhas palavras poderiam ter para ele algum valor; se me houvesse desculpado logo à entrada, antes que ele atirasse, diriam: 'É um covarde, está com medo da pistola, não lhe deem ouvidos.' Cavalheiros, continuei com repentino impulso, olhem em torno de si: estão vendo os dons de Deus! O céu claro, o ar puro, a erva tenra, os pássaros, a natureza inocente e bela! Só nós, estúpidos e ímpios, não compreendemos que a vida é o paraíso; bastaria que o compreendêssemos para que ele se realizasse imediatamente em toda a sua beleza, entre as nossas lágrimas e os nossos abraços..."

Quisera continuar, mas não o pude; a alegria que me possuía o coração tirava-me o fôlego; sentia uma alegria como jamais a experimentara. "Tudo isso é multo piedoso e razoável, disse o meu adversário. De qualquer maneira, o senhor é um homem original." — "Ria, falei eu rindo também, e mais tarde me há de louvar." — "Mas já estou pronto a louvá-lo desde agora, disse ele, e a lhe estender a mão, porque o senhor parece realmente sincero." — "Não, agora não, mais tarde, quando eu me tornar melhor e merecedor de sua estima, então me há de estender a mão e fará bem.”

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