Os vagabundos iluminados
Autor
Jack Kerouac
Editora
L&PM Pocket
Tradução
Ana Ban
Uma montanha é apenas uma montanha
“ … Foi maravilhoso. Descalcei os tênis e retirei de dentro alguns baldes de poeira de lava e disse: “Ah, Japhy, você me ensinou a lição mais definitiva de todas, que é impossível cair de uma montanha”.
“E é exatamente isso que quer dizer, ‘Quando chegar ao topo de uma montanha, continue escalando’, Smith”.
“Caramba, aquele grito montanhês de triunfo que você deu foi a coisa mais linda que eu ouvi na vida. Quem dera eu tivesse aqui um gravador para poder registrá-lo.”
“Essas coisas não são feitas para as pessoas lá de baixo ouvirem”, diz Japhy, todo sério.
“Por Deus, você está certo, todos aqueles vagabundos sedentários acomodados sobre almofadas não merecem ouvir o berro de um conquistador de montanhas triunfante. Mas quando olhei para cima e vi você descendo aquela montanha na maior corrida, de repente compreendi tudo.”
“Ah, um pequeno satori para Smith hoje”, diz Morley.
“O que você ficou fazendo aqui embaixo?”
“Dormindo, a maior parte do tempo.”
“Bom, caramba, eu não cheguei ao topo. Estou envergonhado porque agora eu sei como descer a montanha e sei como subir a montanha e sei que nunca vou cair, mas agora é tarde demais.”
“Voltaremos no próximo verão, Ray, e escalaremos de novo. Você percebeu, esta foi a primeira vez que escalou uma montanha e já deixou um veterano como o Morley bem para trás?”
“Claro”, disse Morley. “Você acha, Japhy, que dariam a Smith o título de Tigre pelo que ele fez hoje?”
“Ah, claro”, diz Japhy, e eu me senti orgulhoso de verdade. Eu era um Tigre.
“Ah, que se dane, eu serei um leão da próxima vez que subirmos aqui.” “Vamos lá, rapazes, ainda temos um longo caminho cascalho abaixo até chegar ao acampamento e temos que descer todo aquele vale de pedras e depois a trilha do lago, uau, duvido que consigamos chegar lá antes de que esteja escuro como breu.”
“Não vai ter muito problema.” Morley apontou para a fatia prateada de lua no céu azul cada vez mais escuro, que assumira um tom rosado. “Acho que ela vai iluminar nosso caminho.”
“Vamos lá.” Levantamo-nos e começamos o caminho de volta. Dessa vez, quando contornei aquela beirada que tinha me assustado, foi apenas divertido e cômico, e eu fiquei só lá pulando e dançando pelo caminho e tinha mesmo aprendido que é impossível cair de uma montanha. Se é mesmo possível ou não cair da montanha eu não sei, mas tinha aprendido que é impossível. Foi assim que a coisa me bateu.”