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Sobre a terra somos belos por um instante

Autor

Ocean Vuong

Editora

Rocco

Tradução

Rogerio W. Galindo

Eu te amo – em vietcong

 “... Dois idiomas cancelam um ao outro, sugere Barthes, acenando para um terceiro. Por vezes nossas palavras são escassas e distantes entre si, ou simplesmente vêm de outras pessoas. Nesse caso as mãos, embora limitadas pelas fronteiras da pele e da cartilagem, podem ser o terceiro idioma que dá vida quando a língua vacila. É verdade que, em vietnamita, raramente dizemos eu te amo, e quando dizemos, é quase sempre em inglês. Carinho e amor, para nós, têm pronúncia mais clara por meio de serviços: tirar cabelos brancos, se agarrar ao seu filho para absorver a turbulência de um avião e, portanto, o medo dele. Ou agora – quando a Lan me chamou: “Cachorrinho, vem cá e me ajuda a ajudar a tua mãe.” E a gente se ajoelhou, cada um de um lado do teu corpo, massageando os músculos endurecidos dos antebraços, depois chegando aos pulsos, aos dedos. Por um momento quase breve demais para importar, aquilo fez sentido – aquelas três pessoas no chão, conectadas entre si pelo toque, perfaziam algo parecido com a palavra família.



O macaco que chuta embaixo da mesa



“... Devido à sua ubiquidade e ao tamanho diminuto, macacos são os primatas mais caçados no Sudeste da Ásia.

O sujeito de cabelos grisalhos ergue um copo e faz um brinde, sorri. Cinco outros copos são erguidos para encontrar o dele, a luz se apaga a cada dose por exigência da lei. Os copos estão nas mãos de homens que em breve vão cortar o crânio do macaco com um bisturi, abrindo como se fosse a tampa de uma jarra. Os homens vão se revezar consumindo o cérebro, mergulhado em álcool ou engolido com dentes de alho em um prato de porcelana, enquanto o macaco chuta embaixo da mesa. A vara de pescar lançando a linha várias vezes sem jamais atingir a água. Os homens acreditam que a refeição irá livrá-los da impotência, que quanto mais o macaco se enfurece, mais forte a cura. Eles fazem isso pelo futuro de seus genes – em nome de seus filhos e filhas.

 Eles limpam as bocas com guardanapos com girassóis impressos que logo ficam marrons, depois começam a rasgar – empapados.

Depois, à noite, os homens irão para casa renovados, barriga cheia, e se agarrarão a esposas e amantes. O perfume da maquiagem floral – rostos colados.



A contação de histórias e o sentido da vida



“... Trouxemos a Lan para casa, pusemos de costas sobre um colchão no piso de lajotas onde estava fresco, colocamos travesseiros ao longo do corpo para manter as pernas no lugar. O que deixou as coisas ainda piores, você lembra, foi que a Lan nem por um momento acreditou, até o fim, que ela tinha uma doença terminal. Nós explicamos o diagnóstico para ela, falamos sobre os tumores, as células, a metástase, nomes tão abstratos que era como se estivéssemos descrevendo uma bruxaria.

Dissemos que ela estava morrendo, que seria em duas semanas, depois uma semana, a qualquer dia agora. “Esteja preparada. Esteja preparada. O que você quer? Do que você precisa? O que você gostaria de dizer?”, a gente insistia. Mas ela não queria saber disso. Ela dizia que nós éramos só crianças, que não sabíamos de nada ainda, e que quando crescêssemos, nós íamos saber como o mundo realmente funciona. E como a negação, a invenção – a contação de histórias – era o jeito dela de se manter um passo à frente de sua própria vida, como é que um de nós poderia contar para ela que ela estava errada?

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Ocean Vuong

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Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

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