Uma comovente obra de espantoso talento

“ ...  John pegou uma cerveja para mim.

John que conheço desde sempre.

Está com um belo bronzeado, como de costume. Sempre gostou de andar bronzeado.

Criou-se na vizinhança e nossos pais eram amigos. Eu o conheço desde que sou gente. Há fotos nossas debaixo da mesa da cozinha chupando picolé, e fotos minhas no quintal da casa dele, bebendo água com um canudo no bebedouro dos passarinhos. Juntos, com nove, dez anos, escrevíamos cartas sofridas para os fabricantes de Legos, sugerindo aperfeiçoamentos no design e oferecendo ideias de projetos futuros. Eu era tanto filho dos pais dele quanto ele era dos meus, e, mesmo no início do ensino médio, quando tínhamos cada vez menos o que dizer um ao outro, ainda permanecemos inabalavelmente ligados, condenados um ao outro. Nossos armários viviam cheios de roupas emprestadas um do outro.

Seus pais também se foram. Sua mãe, loura, alta, chamativa, tivera câncer no nosso segundo ano no colégio, uma enorme complicação, que o trouxe cada vez mais naturalmente para nossa família. Cinco anos depois, após um ano em Penn, ele se transferiu para Illinois, para ficar mais perto de seu pai, que não estava indo bem, tinha tido um derrame, foi tratado de depressão, e um ano mais tarde também se foi, um aneurisma. Em que merda nós estávamos – foi apenas alguns meses depois de meu próprio pai, todo aquele ano foi toldado por uma névoa para a gente; nem chegamos a nos ver tanto assim, pois só fazia piorar, a visão um do outro provocava soluços, chacotas...

Depois do enterro de seu pai, John só perdeu algumas semanas de aula; voltou na quarta.

— Você voltou — comentei.

— Sim — disse ele.

Ele não tinha outro lugar para ir.

— Que houve com sua mão? — Os nós dos seus dedos estavam cortados, feridos.

— Ah, quebrei uma janela, sabe.

— Certo, disse eu.

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