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Viva o povo brasileiro

Autor

João Ubaldo Ribeiro

Editora

Nova Fronteira

Tradução

O caboco Capiroba e o seu cacete de matar gente

“... Este ano, em cujo início o caboco e sua sempre aumentada família comeram o primeiro holandês, houve ampla fartura, sendo às vezes mais fácil pegar um ou dois deles nos matos que acertar bolo de lama em guaiamum. Mesmo assim, quando uma daquelas cabeças de espiga acenava suas melenas douradas entre as touceiras, ou quando se via o vulto lento de um deles deter a marcha para aspirar os ares como um veado incauto, a emoção da caçada subia ao peito do caboco, o coração saltava e a boca secava na antecipação do cerco, captura e abate daquele belo animal, que, com sua tenacidade, argúcia e resistência, sublinhava o que de mais transcendente e nobre existe na cinegética. Ao encurralá-lo finalmente e matá-lo com um golpe tão rápido quanto possível, às vezes tendo tempo de ouvir os sons sem sentido que emitia antes de tomar a cacetada final, o caboco Capiroba se inflava de orgulho e respeito pela sua presa, frequentemente observando ao jantar a galanteria do comportamento dela e a honra em que consistia mastigar e engolir aquele taco do que antes fora sua perna, braço ou lombo. Desde que o caboco se entendia, esses recém-chegados de pelos amarelos e fala diferente da dos outros brancos passavam por ali entre idas e vindas confusas, sempre em luta contra os já instalados, incendiando plantações e trovejando de barcos bojudos em direção à praia. Mas nunca houvera tantos deles quanto agora, às vezes em bandos como formigas ruças, erigindo paliçadas e devesas, escarafunchando a ilha e ocupando as fortificações como se tivessem tomado o lugar dos outros definitivamente. Tanto melhor para a família do caboco, que não sabia a quem agradecer pela abundância, pois estava claro que não era às divindades e santas figuras de que lhes falaram os padres da Redução, já que tanto detestavam que se comesse gente, embora o tivessem ensinado a todos por suas narrações. Se não indicasse a experiência que a guarda e engorda de gente era empresa de resultados duvidosos, teria de muito começado um pequeno criatório, no apicum cercado de mangue fechado onde agora residia praticamente todo o tempo. De qualquer sorte, na noite que começava a trazer uma escuridão retinta e o ar pegajoso antecedente às trovoadas, o caboco Capiroba, carregando oito braças de corda de piaçaba fina enroladas num ombro, uma coita de ferro tirada de um mateiro comido, uma rede de malha forte e o cacete de matar gente, contava agafanhar dois ou três holandeses vivos ou mais ou menos vivos, levá-los de volta e criá-los para corte algum tempo. Achava que estava ficando velho, só lhe nasciam filhas com todas as mulheres, a vida se tornava cada vez mais difícil e então queria passar uns dias descansando, sem o trabalho pesado da caça. Deu um suspiro fundo e começou a atravessar o baixio, tendo cuidado para não molhar a rede e a corda.

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