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A página assombrada por fantasmas
Autor
Antônio Xerxenesky
Editora
Rocco Digital
Tradução
A única motivação para escrever um livro: um conflito que só a literatura pode resolver
“ ... Mankuviac me recebeu de bom humor. Não parecia um escritor de modo algum, pelo menos não aquele estereótipo que temos do que é um escritor, de como ele deve se vestir e se portar. Sua aparência era de um homem do campo, como qualquer um dos camponeses pelos quais passei. Ele sorria sem sentir vergonha alguma pelos dentes faltantes.
A primeira pergunta que lhe fiz foi por que nunca mais tinha publicado um livro. Muitos jornalistas, nos dez primeiros anos de silêncio de Mankuviac, tinham perguntado o mesmo. Charles nada respondia. Caiu no esquecimento.
O fato é que ele respondeu, com toda calma, a minha pergunta. Talvez tenha sido porque eu comentara que Os ritos tinha sido um livro marcante para mim, e o tenha dito com sinceridade. Charles contou, então, sobre todos os minutos no hotel, a dificuldade de ajustar o chuveiro no hotel; enfim, tudo que narrei anteriormente.
Ele me levou até a parte da horta aonde plantava tomates, bolotas vermelhas no meio de uma folhagem. Não havia quase animais na fazenda, Charles se tornara vegetariano, conjeturei, e a ausência de seres vivos produzia o mais inerte dos silêncios.
Eu perguntei, então: “Você sabia, ao sair do hotel, que não voltaria a escrever?” Ele fez com a cabeça que não, e me contou que nem ao falar com a jornalista, nem ao remexer na pilha de ideias que não, não sabia.
Eu perguntei, então: “Você escreveu algo desde aquele dia?” Ele fez com a cabeça que não.
Eu perguntei, então: “Você... pretende voltar a escrever?” Ele fez com a cabeça que não.
Contei como a leitura de Os ritos me fez repensar um conflito existente na minha vida, o mesmo conflito que era a marca registrada dos livros de Mankuviac, sua única história possível, e que por isso eu estimava tanto o romance.
Eu perguntei, então: “Nada te convenceria a escrever de novo?”
Ele respondeu: “Sim, tem algo que me levaria a voltar a escrever.”
Meus olhos saltaram. Eu o imaginei explicando, com toda a calma: “O dia que eu encontrar um novo conflito que só consiga resolver na literatura.” Mas ele nada falou depois da resposta afirmativa.
Ele arrancou um tomate, vermelho, estourando de maduro, e o mordeu como se fosse uma maçã.
Ele tinha 65 anos e parecia feliz.”