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A repetição

Autor

Peter Handke

Editora

Rocco

Tradução

Betty M Kunz

Quando as lembranças, com os anos, vão se transformando em linguagem, em escrita, em recordações verbais, em invenção e texto

“ ... O que agora contei sobre a casa de meu pai, sobre a aldeia de Rinkenberg, sobre a planície de Jaunfeld, eu sem dúvida tinha bem presente há um quarto de século, quando me encontrava na estação ferroviária de Jesenice, mas não teria podido contá-lo a ninguém. Eu sentia dentro de mim apenas impulsos sem som, ritmos sem tom, vogais breves e longas, tônicas e átonas, sem as sílabas correspondentes, uma vibração vigorosa de períodos sem as palavras condizentes, o compasso lento, amplo, emocionante, constante, de um metro sem os versos a ele pertinentes, um arrancar generalizado que não chegava a dar partida, ímpetos baldados, uma desordenada epopeia, sem nome, sem a voz íntima, sem a concatenação de uma escrita. O que o jovem de vinte anos vivenciara ainda não era uma recordação. E recordação não significava que o que havia sido estava retornando; e sim: o que havia sido, mostrava, ao retornar, o seu lugar. Quando eu recordava, eu descobria: foi assim que se passou, exatamente assim!, e só com isso, então, a experiência passava a tornar-se-me consciente, definível, verbalizável, traduzível em palavras, e por isso a recordação, para mim, não é um mero relembrar, mas estar com as mãos na obra, e a obra da recordação atribui à vivência o lugar que lhe compete na sequência que a manterá viva, a narração, que sempre poderá passar para o relato aberto, para a vida maior, para a invenção.”

Viva a narração!

“ ... Isso, no que diz respeito ao velho – eu, ao contrário, mesmo se morresse ainda hoje, me vejo agora, ao finalizar esta narrativa, no meio da minha vida, contemplo o sol primaveril sobre o papel em branco, recordo o outono e o inverno e escrevo: narração, nada mais terreno do que tu, nada mais justo, para mim és o que há de mais sagrado. Narração, padroeira daquele que luta a distância, minha ama e senhora. Narração, o mais espaçoso de todos os veículos, carruagem celeste. Olho da narração, espelha-me, pois só tu me reconheces como realmente sou e me dás valor. Azul celestial, desce até a baixada através da narração. Narração, música que compartilhar os nossos sentimentos, indulta-nos, agraça-nos e consagra-nos. Narração, reagrupa novamente as letras, repassa as sequências de palavras, dispõe-te em forma de escrita reflete através do teu molde especial, o molde comum a todos nós. Narração, repete, isto é, renova; protelando sempre de novo uma decisão que não deve acontecer. Janelas simuladas e trilhas de gado abandonadas, sede o estímulo e a linha-d'água da narração. Viva a narração. A narração precisa continuar. Que o sol da narração permaneça para sempre sobre a nona terra, a que só poderá ser destruída com o último alento de vida. Exilados da terra da narração, voltai já do desolado Ponto. Póstero, quando eu não estiver mais aqui, tu me encontrarás na terra da narração, na nona terra. Narrador, em tua cabana tomada pela vegetação que sabes orientar-te, não importa que emudeças, talvez cales através dos séculos, à escuta do que vem de fora, recolhendo-te dentro de ti, porém depois, rei, criança, concentra-te, ergue-te, apoia-te nos cotovelos, sorri a teu redor, toma alento e reinicia, apaziguando todo conflito com teu: "E...”

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