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A vida privada das árvores

Autor

Alejandro Zambra

Editora

Cosac & Naify

Tradução

Josely Baptista

Quando a culpa recai sobre os livros de Paul Auster

"...  Depois de se desculpar pela pouca sorte do bonsai, Julián contou a história que realmente queria lhes contar: já estivera naquele apartamento,conhecera seus habitantes anteriores (usou essa palavra um tanto pomposa,habitantes), uma mulher jovem e sua filha. Era fácil perceber em seu relato uma misteriosa ênfase, uma espécie de admiração que seus amigos consideraram reveladora.

E por isso você alugou este lugar, disse Bernardita, com amável ironia. Por amor às coincidências.

Não, respondeu Julián, envergonhado. Com vigor, e mesmo certa brusquidão desnecessária, replicou: Aluguei porque achei conveniente.

Sim,Julián, admita, disse Sergio. Você o alugou porque andou lendo muitos romances de Paul Auster.

Sergio e Bernardita não conseguiram segurar uma imprudente gargalhada. Julián também riu, mas sem vontade, ou com vontade que seus amigos fossem embora no final do ataque de riso. Por causa da desagradável brincadeira, Julián nunca mais leu romances de Paul Auster. E em mais de uma ocasião chegou a desaconselhar sua leitura, argumentando que, salvo por algumas páginas de A invenção da solidão, Auster não passava de um Borges diluído."

Quando o amor termina diante da possibilidade de amar

 

"...  Mas não houve outra oportunidade de aplacar a fúria ou a indiferença de Karla. Mais de uma vez esteve a ponto de provocar essa última cena, mas a força que o animava talvez fosse muito fraca: a mera ideia de se ver envolvido numa discussão lhe dava um tédio profundo. Julián não queria recuperar o amor, pois deixara de amá-la havia muito tempo. Deixara de amá-la um segundo antes de começar a amá-la. Soa estranho, mas é assim que ele sente:em vez de amar Karla, ele amara a possibilidade do amor, e depois a iminência do amor. Amara a ideia de um vulto se movendo entre lençóis brancos e sujos."

Quando a escritura de um livro não coincide com a vontade do autor e nem mesmo da personagem

 

"...  Daniela termina de ler e volta mediatamente aos trechos sublinhados. Procura sua linguagem, procura-se, mas não se encontra. Não está no livro. Perdeu-se. E essa ausência não a desagrada. Invadida por um misto de alívio e decepção, fecha o livro. Sua vida não mudou. Provavelmente amanhã irá relê-lo para confirmar suas impressões. Mas não irá à ponte, não vai recordar nenhuma história que dê sentido a seu presente, ao passado, ao futuro. Não quer se enganar. Sua vida não mudou: não sabe mais, não sabe menos. Não sente mais,não sente menos.

É mais fácil ler o livro de um padrasto que ler o livro de um pai? Devia pensarem jardins, em mulheres falando sozinhas. Trocando pneus furados numa avenida distante. Devia pensar na beleza frágil das árvores doentes. Devia imaginar um parque coberto de toldos derrubados. Devia pensar na solidão de um homem confinado às quatro paredes de um apartamento úmido, um homem que desistiu de dizer as falas que lhe cabem.

Julián gostaria que recordasse as histórias das árvores, ou as tortuosas horas que passavam decorando a tabuada, com aquele tom sentencioso, pedagógico, que ele às vezes usava. Julián gostaria que Daniela se lembrasse dele depois de ler seu livro. Mas não. A memória não é nenhum refúgio. Resta apenas um balbucio inconsistente de nomes de ruas que não existem mais."

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Alejandro Zambra

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Cosac & Naify

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Josely Baptista

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