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Amálgama
Autor
Rubem Fonseca
Editora
Nova Fronteira
Tradução
Proust comendo a Madeleine
“ ... Eu namorava — quer dizer, comia — uma garota chamada Madeleine. No dia em que a conheci, eu estava no ponto do ônibus e ela passou dirigindo seu carro e perguntou “quer carona?" e eu aceitei. O ônibus da ilha para a cidade demorava um tempão para passar. Dentro do carro me apresentei, "meu nome é José", e ela respondeu, “o meu é Madeleine”.
Brinquei com ela, "você é a Madeleine do Proust?”. Ela não entendeu a piada. Não gosto de mulher burra, mas perdoei a ignorância dela, ninguém lê Proust e, para falar a verdade, ele é um chato.
“Você não vai explicar essa história da Madeleine do... como é o nome?"
"Proust. É um escritor que num dos seus livros, Em busca do tempo perdido, no original À la recherche du temps perdu — confesso que eu sou um pouco exibicionista, sou bibliotecário e quando o assunto é livro eu gosto de ostentar os meus conhecimentos, mas creio que todo mundo é assim —, mas como eu dizia, nesse livro o Proust fala do prazer que invadiu os seus sentidos ao comer uns bolinhos que ele chama de petites madeleines. Assim que comeu, imediatamente as vicissitudes da vida deixaram de incomodá-lo, uma nova sensação o dominou, como se o amor o tivesse enchido com uma essência preciosa, e ele deixou de se sentir medíocre, mortal. De onde vinha aquela alegria tão poderosa, o que significava, como defini-la?"
"Que história linda", disse a Madeleine ao meu lado. (É claro que eu não contei o desenlace desta história, isso fica para depois.)
Foi assim que o nosso romance começou. Em pouco tempo Madeleine estava louca por mim, mas eu sabia que o meu interesse por ela ia durar pouco. Isso nada tem a ver com premonição, eu sabia tudo que ia acontecer porque sempre, depois de comer algumas vezes a dona, eu perco o interesse nela.
Esse é o carma das Madeleines. A do Proust, todos sabem, depois que o francês comeu a segunda, o prazer foi menor, e depois de comer a terceira, ainda menor. Era tempo de parar, ele pensou, a poção perdeu a sua magia. É assim com mulher, depois que você comeu várias vezes, a trepada perde o encanto.“