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As margens e o ditado

Autor

Elena Ferrante

Editora

Intrínseca

Tradução

Marcello Lino

Se escrever escrevendo

“... Uma coisa é programar uma narrativa e executá-la com dignidade, outra coisa é aquela escrita totalmente aleatória, tão mutável quanto o mundo que tenta ordenar. Essa escrita ora irrompe, ora desaparece, ora parece vir de uma só pessoa, ora é uma multidão, ora é pequena, sussurrada, ora se agiganta e grita. Enfim, vigia, duvida, rola, brilha, medita, como o proverbial lance de dados de Mallarmé.



O eu que escreve é o eu que leu



“... Escrever é acomodar-se em tudo o que já foi escrito — a grande literatura e a literatura de consumo, se for útil, o romance-ensaio e o melodrama — e, dentro do limite da própria vertiginosa e abarrotada individualidade, tornar-se, por sua vez, escrita. Escrever é apoderar-se de tudo o que já foi escrito e aprender aos poucos a gastar aquela enorme fortuna. Não devemos nos deixar lisonjear por quem diz: ela tem um tom próprio. Na escrita, tudo tem uma longa história atrás de si. Até a minha insurreição, a minha desmarginação, a minha ânsia, faz parte de um ímpeto que me precede e vai além de mim. Por isso, quando falo do meu eu que escreve, eu deveria logo acrescentar que estou falando do meu eu que leu, mesmo quando se tratou de uma leitura distraída, a mais furtiva das leituras. E devo destacar que cada livro lido levava dentro de si uma multidão de outras escritas que, de maneira consciente ou inadvertida, capturei. Enfim, escrever sobre as próprias alegrias e feridas e noção do mundo significa escrever de todas as formas, sempre, sabendo que você é o produto, bom ou ruim, de encontros-confrontos, buscados e ocasionais, com as coisas dos outros. O erro mais grave do eu que escreve, a mais grave ingenuidade, é a Robinsonada, ou seja, imaginar-se um Robinson que se contenta com a vida na ilha deserta fingindo que os cacarecos trazidos do navio não contribuíram para o seu êxito; ou um Homero que não confessa a si mesmo que está trabalhando com materiais de elaboração e transmissão oral. Nós não fazemos, mas refazemos “vida viva”. E assim que nos damos conta disso, se não somos covardes, tentamos desesperadamente contar a verdadeira “vida viva”.

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Elena Ferrante

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Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

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