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Frantumaglia

Autor

Elena Ferrante

Editora

Intrínseca

Tradução

Marcello Lino

O recanto da escrita: um lugar escondido, livre das vigilâncias ou urgências midiáticas

“ ... Ferrante: Em Totem e tabu, Freud fala de uma mulher que impôs a si mesma não escrever mais o próprio nome. Ela temia que alguém o usasse para se apoderar da sua personalidade. A mulher começou com a recusa de escrever o nome, depois, por extensão, parou de escrever por completo. Não cheguei a esse ponto: escrevo e tenho a intenção de continuar a escrever. Mas devo confessar que, quando li essa história de doença, ela logo me pareceu sadiamente significativa. O que escolho mostrar de mim não pode e não deve se tornar um ímã que me sugue totalmente. Um indivíduo tem o direito de manter separada, caso queira, sua pessoa, até mesmo sua imagem, dos efeitos públicos do seu trabalho. Mas não é apenas isso. Não acredito que o autor deva acrescentar nada de decisivo à própria obra: considero o texto um organismo autossuficiente, que tem em si, na sua elaboração, todas as perguntas e todas as respostas. E os livros de verdade são escritos apenas para serem lidos. O ativismo promocional dos autores tende, ao contrário, a anular cada vez mais as obras e a necessidade de lê-las. Em muitos casos, o nome de quem escreveu, sua imagem e suas opiniões são muito mais conhecidos do que seus textos, e isso vale não apenas para os contemporâneos, mas, infelizmente, a esta altura, também para os clássicos. Por fim, tenho uma vida tanto privada quanto pública bastante satisfatória. Não sinto a necessidade de novos equilíbrios. Desejo que o recanto da escrita continue sendo um lugar escondido, sem vigilâncias ou urgências de qualquer espécie.”

Uma nova maneira de ler: o que importa é a obra, jamais o autor

“ ... Fiori: A senhora realmente acredita que a experiência de vida de um autor não acrescenta nada? Italo Calvino se esquivava das perguntas pessoais, mas sabemos muito sobre ele e seu trabalho editorial.

Ferrante: Calvino me influenciou muito, quando garota, com uma declaração. Ele dizia mais ou menos o seguinte: podem perguntar sobre a minha vida privada, eu não responderei ou mentirei sempre. Depois, Northrop Frye me pareceu ainda mais radical ao dizer: os escritores são pessoas muito simples, no máximo nem mais sábios nem melhores do que os outros. E continua: deles, importa apenas o que sabem fazer bem, encadear palavras; Rei Lear é maravilhoso, embora de Shakespeare nos restem apenas algumas assinaturas, alguns endereços, um testamento, uma certidão de batismo e um retrato que representa um homem que tem o aspecto de idiota. Bem, essa é exatamente a minha opinião. Nossos rostos não nos fazem nenhum favor e nossas vidas não acrescentam nada às obras.

Fiori: Se a senhora revelasse sua identidade, haveria menos curiosidade. Não acha que persistir no mistério pode torná-la cúmplice?

Ferrante: Permite que eu responda com outra pergunta? Não acha que se eu fizesse o que a senhora diz, estaria traindo a mim mesma, assim como minha escrita, o pacto que fiz com meus leitores, minhas razões – que eles basicamente apoiaram – e até mesmo a nova maneira de ler que eles acabaram adotando? Quanto à minha cumplicidade, olhe à sua volta. Não vê a briga que existe perto do Natal para aparecer na TV? Ainda falaria de cumplicidade se, neste momento, eu estivesse na primeira fila diante de uma câmera de TV, ou acharia isso simplesmente normal? Não, dizer que a ausência é cumplicidade é um jogo velho e óbvio. Quanto à curiosidade mórbida, acho que também é apenas uma pressão do mecanismo midiático que visa me tornar, mais do que cúmplice, incoerente.”

As editoras escancaram as portas com felicidade muito mais para a imagem pública de quem escreve do que para o próprio livro

“ ... Ferrante: Duas décadas são muito tempo e as razões da escolha que fiz em 1990, quando enfrentamos pela primeira vez minha necessidade de ficar fora do ritual que acompanha a publicação de um livro, mudaram. Na época, eu estava assustada com a possibilidade de ter de sair da minha concha, prevalecia a timidez, o desejo de intangibilidade. Em seguida, acentuou-se a hostilidade em relação à mídia, à sua pouca atenção com os livros em si, sem falar na tendência a supervalorizar um texto sobretudo se o autor tem um prestígio já sedimentado. É surpreendente, por exemplo, o fato de os escritores e poetas italianos mais apreciados também terem fama acadêmica ou altos cargos no mundo editorial ou em outras áreas prestigiosas. É como se a literatura não fosse capaz de exibir através dos textos a seriedade das suas intenções, mas precisasse fornecer credenciais "externas" para corroborar a qualidade das obras. Da mesma ordem – se sairmos do mundo acadêmico ou editorial – é a contribuição literária de políticos, jornalistas, cantores, atores, diretores, apresentadores de televisão etc. Também nesse caso, as obras não encontram em si mesmas a autorização para existir, mas precisam de um laissez-passer que deriva do trabalho desempenhado em outros setores. "Trabalhei com sucesso nisso e naquilo, conquistei um público e, então, escrevi e publiquei um romance." O sistema midiático da grande peso a esse nexo. Não importa o livro, mas a aura de quem o escreve. Se a aura já existe, e a mídia a potencializa, as editoras escancaram as portas com felicidade e o mercado acolhe você com mais felicidade ainda. Se a aura não existe, mas o livro milagrosamente vende, a mídia inventa o autor-personagem dando início a um mecanismo no qual quem escreve não vende apenas sua obra, mas a si mesmo, sua própria imagem.”

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