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Contos Orientais

Autor

Marguerite Yourcenar

Editora

Nova Fronteira

Tradução

Martha Calderaro

Ambição divina

“ ... Naquele dia, o burgomestre estava feliz com o resultado mais raro que os anteriores: a flor, branca e violeta, tinha quase as estrias da íris. Examinou-a, movendo-a em todos os sentidos. Por fim, colocando-a a seus pés, disse:

— Deus é um grande pintor.

Cornelius Berg não respondeu: O velho tranquilo retomou a palavra:

— Deus é o pintor do universo.

Cornelius Berg olhava alternadamente para a flor e para o canal. O espelho cinzento das águas não refletia senão as platibandas, as paredes de tijolo e a água servida das donas de casa, mas o velho vagabundo fatigado contemplava nele vagamente toda a sua vida. Revia certos rostos apercebidos no curso de suas longas viagens no Oriente sórdido ou no sul decomposto. Expressões de avareza, de tolice ou de ferocidade notadas tanto sob os belos céus, como nos albergues miseráveis. Doenças vergonhosas, disputas e golpes de faca nos umbrais das portas das tavernas. O rosto ávido dos agiotas e o belo corpo forte de seu modelo, Frederica Gerritsdochter, estendido sobre a mesa de anatomia da escola de medicina de Friburgo. Depois uma nova lembrança: em Constantinopla, onde havia pintado alguns retratos de sultões para o embaixador das Províncias Unidas, tivera a ocasião de admirar um outro jardim de tulipas, orgulho e alegria de um paxá que contava com o pintor para imortalizar, em sua perfeição efêmera, seu harém floral. Quase se poderia dizer que as tulipas reunidas no interior de um pátio de mármore palpitavam e sussurravam, em cores luminosas ou ternas. À beira de uma fonte um pássaro cantava. As agulhas dos ciprestes apontavam para o céu azul pálido. Mas o escravo que, por ordem do seu amo, mostrava ao estrangeiro aquelas maravilhas era zarolho e sobre o olho vazado recentemente Juntavam-se moscas. Cornelius Berg suspirou longamente. Depois, afastando os óculos, disse:

— Deus é o pintor do universo.

E com amargura acrescentou em voz baixa:

— Que desgraça, senhor burgomestre, que Deus não se tenha limitado a pintar as paisagens.”

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