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Diário de Inverno

Autor

Paul Auster

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Paulo Henriques Britto

A mulher do escritor que tolera as suas fraquezas e sua automedicação

“ ... É, você bebe demais e fuma demais, você perdeu dentes e não se deu ao trabalho de recolocá-los, a sua dieta não está em conformidade com os preceitos de nutrição da atualidade, mas se você evita a maior parte dos legumes é simplesmente porque não gosta deles, e é difícil, senão impossível, comer algo de que você não gosta. Você sabe que sua mulher se preocupa com você, principalmente por causa da bebida e do fumo, mas felizmente, até agora, nenhuma radiografia revelou problema algum nos seus pulmões, nenhum exame de sangue revelou problema algum no seu fígado, e assim você continua com seus péssimos hábitos, sabendo muito bem que mais dia, menos dia, eles vão lhe fazer muito mal, mas quanto mais velho você fica parece menos provável que algum dia tenha a força de vontade ou a coragem necessária para abandonar seus amados charutinhos e suas frequentes taças de vinho, que lhe vêm dando tanto prazer ao longo dos anos, e às vezes você pensa que se suprimisse essas coisas da sua vida a esta altura, seu corpo simplesmente desmontaria, seu organismo deixaria de funcionar. Sem dúvida, você é uma pessoa imperfeita e machucada, um homem que tem uma ferida aberta dentro de si desde o início (senão, porque teria passado toda a vida adulta sangrando palavras numa página?), e os benefícios que lhe proporcionam o álcool e o tabaco lhe servem de muletas para manter o seu ser aleijado de pé e se deslocando pelo mundo afora. Automedicação, como diz sua mulher. Ao contrário da mãe de sua mãe, ela não quer que você seja diferente. Sua mulher tolera as suas fraquezas e não fica passando sermões nem ralhando com você, e se ela se preocupa, é só porque quer que você não morra nunca. Você enumera as razões que o levam a mantê-la junto de si há tantos anos, e certamente essa é uma delas, uma das estrelas brilhantes na vasta constelação do amor duradouro.”

O escritor que se vê como um corpo que passou a vida caminhando pelas ruas das cidades

“ ... Seu corpo em aposentos pequenos e grandes, seu corpo subindo e descendo escadas, seu corpo nadando em lagoas, lagos, rios e oceanos, seu corpo atravessando terrenos enlameados, seu corpo deitado no capim alto de um prado vazio, seu corpo caminhando pelas ruas de uma cidade, seu corpo subindo morros e montanhas, seu corpo sentado em cadeiras, deitado em camas, estirado em praias, percorrendo estradas do interior de bicicleta, atravessando florestas, pastos e desertos, correndo em pistas de atletismo, pulando em assoalhos de tábua corrida, lavando-se em boxes de chuveiros, entrando em banheiras de água quente, sentado em vasos sanitários, esperando em aeroportos e estações ferroviárias, subindo e descendo em elevadores, espremido em bancos de carros e ônibus, caminhando na chuva sem guarda-chuva, sentado em salas de aula, perambulando por livrarias e lojas de discos (que Deus as tenha), sentado em auditórios, cinemas e salas de concerto, dançando com garotas em ginásios de colégios, remando em canoas em rios e lagos, comendo em mesas de cozinha, comendo em mesas de salas de jantar, comendo em restaurantes, fazendo compras em lojas de departamentos, lojas de artigos eletrônicos, lojas de móveis, lojas de ferragens, lojas de roupas, sapatarias e mercearias, em filas para tirar passaporte e carteira de motorista, reclinado em cadeiras com as pernas apoiadas em escrivaninhas e mesas enquanto você escreve em cadernos, debruçado sobre máquinas de escrever, caminhando no meio de nevascas sem chapéu, entrando em sinagogas e igrejas, vestindo-se e despindo-se em quartos de residências, quartos de hotéis e vestiários de academias, subindo escadas rolantes, deitado em leitos hospitalares, sentado em mesas de exame médico, em cadeiras de barbeiros e dentistas, dando saltos-mortais na grama, plantando bananeira na grama, pulando dentro de piscinas, caminhando lentamente em museus, jogando basquete em playgrounds, lançando bolas de beisebol ou futebol americano em parques públicos, experimentando as diferentes sensações de caminhar em pisos de madeira, cimento, ladrilhos e pedra, as diferentes sensações de pôr os pés na areia, na terra e na grama, mas acima de tudo a sensação de pisar em calçadas, pois é assim que você se vê sempre que para para pensar em quem você é: um homem que passou a vida caminhando por ruas de cidades.”

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Paul Auster

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Paul Auster

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Paulo Henriques Britto

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Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

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