Uma rosa só
Autor
Muriel Barbery
Editora
Companhia das Letras
Tradução
Rosa Freire d’Aguiar
Ajuda sem se ajudar
“... Nos tempos antigos do Japão, na província de Ise, às margens de uma enseada subtraída do oceano, vivia uma curandeira. Ela conhecia as virtudes das plantas e as usava com aqueles que iam lhe pedir alívio para seus males. Apesar disso, como se a decisão tivesse sido tomada de uma vez por todas pelos deuses e não houvesse nada a fazer para mudá-la, ela sofria permanentemente de dores atrozes. Um dia, um príncipe que ela curara graças a um chá de cravos de sua lavra disse-lhe: Por que não utilizas então teu poder para curar a ti mesma? Ele se desvaneceria, ela respondeu, e eu já não poderia curar meu próximo. Que te importa que os outros sofram se podes viver sem suportar a dor?, perguntou o príncipe. Ela riu, foi até seu jardim, cortou uma braçada de cravos vermelho-sangue e lhe entregou dizendo: A quem, então, eu ofereceria minhas flores com um coração leve? “
Olhando as flores
“... — Vem-se aqui sobretudo na primavera para admirar as azaleias — disse Paul.
Uma intuição a atravessou como uma flecha.
— Foi ele que lhe pediu para passear comigo assim? Ele fez o programa? O Pavilhão de Prata, este templo?
Ele não respondeu. Ela observou de novo a elipse, a areia, as linhas de seus mundos interiores. Mais longe, grandes azaleias formando uma moita criavam no jardim seco uma muralha verde-clara.
— Eu não tinha visto as azaleias — ela disse —, estava olhando o círculo.
— Na tradição zen, os círculos são chamados de ensō — ele disse. — Podem ser abertos ou fechados.
Rose ficou surpresa com o interesse que as palavras dele lhe despertavam.
— Qual é o significado deles? — perguntou.
— O que você quiser — ele respondeu. — Aqui, o real importa pouco.
— É por isso que ele queria que você me transportasse de um lugar para outro como um pacote volumoso, para dissolver a realidade no círculo, afogá-la na areia?
Ele não fez nenhum comentário, continuou a admirar o jardim.
— Você é botânica e não olha as flores — ele disse finalmente.
Não havia agressividade nem julgamento em sua voz.
— Meu poema favorito é de Issa — continuou.
Recitou-o em japonês e depois traduziu.
nós andamos neste mundo
no teto do inferno
olhando as flores. “