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As ilhas da corrente

Autor

Ernest Hemingway

Editora

Bertrand

Tradução

Milton Persson

Na rotina solitária e protetora irrompe, de repente, a felicidade fugidia

“ ... Thomas Hudson sentiu-se feliz por tê-los ali. Nem queria pensar que algum dia teriam que ir embora. Tinha sido feliz antes da vinda deles e por muito tempo aprendera a viver e fazer seu trabalho sem nunca se sentir mais só do que poderia suportar; mas a vinda dos meninos havia quebrado toda a rotina protetora da vida que criara e agora já se acostumara com essa quebra. Fora uma rotina agradável de trabalho árduo; de horas marcadas para fazer as coisas; lugares onde as coisas eram guardadas e tratadas com carinho; de refeições e drinques aguardados com impaciência e livros novos para ler e muitos livros velhos para reler. Era uma rotina em que a chegada do jornal diário constituía um acontecimento, mas que não sucedia com tanta regularidade que sua falta se transformasse numa decepção. Tinha muito das invenções que as pessoas solitárias usam para se salvar e até combater a solidão. Havia estabelecido normas, observado costumes e recorrido consciente e inconscientemente a eles. Mas, desde a chegadas dos meninos, fora um grande alívio não precisar recorrer a eles.

Seria ruim, contudo, pensou, quando começasse tudo de novo. Sabia perfeitamente como ia ser. Por uma parte de um dia seria agradável manter a casa em ordem, refletir a sós, ler sem a interferência de conversas alheias, contemplar as coisas sem comentá-las, trabalhar normalmente sem interrupções, e depois então a solidão voltaria. Os três meninos tinham ocupado de novo uma imensa parte dele que, quando fossem embora, ficaria vazia, e durante certo tempo aquilo seria péssimo.

Sua vida estava baseada firmemente no trabalho, na existência às margens da Corrente do Golfo, na ilha, e certamente resistiria. Os apoios, os hábitos e os costumes deviam todos vencer a solidão, e a essa altura já previa que ele tinha aberto um território inteiramente novo para a solidão tomar conta depois que os meninos tivessem partido. E no entanto não havia nada como lutar contra isso. Tudo sobreviria mais tarde e, uma vez que era inevitável, não adiantava entregar-se desde já a temores.

O verão, até agora, fora felicíssimo e perfeito. Tudo o que podia ter saído mal tinha saído bem. Não se referia apenas a coisas espetaculares, como Roger e o sujeito no cais, que podiam ter saído péssimas; nem a David e o tubarão; mas a tudo quanto é espécie de pequeninas coisas que tinham saído bem. A felicidade é frequentemente descrita como chatíssima, mas, pensou, acordado na cama, isso se explica porque as pessoas chatas às vezes são muito felizes e as inteligentes podem e de fato conseguem andar por aí infelicitando a si mesmas e às demais. Nunca havia achado a felicidade chata. Sempre lhe parecera mais empolgante do que qualquer outra coisa e capaz de uma intensidade tão grande como a dor para aqueles que fossem capazes de tê-la. Talvez isso não seja verdade, mas há bastante tempo acreditava piamente nisso e nesse verão fazia já um mês que experimentava a felicidade, e agora, durante as noites, sentia falta dela mesmo antes de se extinguir por completo.“

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Ernest Hemingway

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Bertrand

Tradução

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