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Do que é feita a maçã

Autor

Amós Oz

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Paulo Geiger

A dádiva da literatura em dose dupla. E mais o prazer

" ... “Qual é a função da literatura?”. Há todo tipo de variantes: a função da literatura na sociedade, a função da literatura na política, na consciência judaica, no conflito israelense-palestino. E eu digo a esses entrevistadores: “Modifiquem a pergunta”. Em vez de me perguntar qual é a função da literatura, perguntem qual é a dádiva da literatura. Então eles fazem essa pergunta, porque são educados. Porque não se sentiriam bem se recusassem. Mas não estão satisfeitos, queriam que eu lhes trouxesse um peixe gordo que renderia uma manchete, queriam ouvir de mim que a literatura é um chicote com o qual se açoitam os políticos ou que a literatura é a ponta de lança da revolução. Não sei o que queriam. Em vez de tudo isso eu menciono: a dádiva da literatura. Eu lhes digo: a dádiva é dupla. Uma, você pega um livro, romance, contos, e o lê, e na página 24 perde a respiração: mas esta sou eu, como é que a escritora sabia? Ela não me conhece. Não está apenas falando de mim, está realmente falando de meus segredos, que não revelei a ninguém. Este é um tipo de dádiva. A segunda é a dádiva oposta: você está lendo, virando as páginas, e de repente chega à página 84, espanta-se e diz: uau, esta nunca poderia ser eu. Mesmo se me dessem 1 milhão de dólares eu não faria uma coisa dessas. De maneira alguma eu seria capaz de fazer uma coisa dessas. Essas duas experiências — “é exatamente eu” e “de forma alguma pode ser eu” (e às vezes: “que sorte que não sou eu”) — estão entre os grandes prazeres da leitura, pois você, a leitora, está sendo convidada a examinar novamente as fronteiras de você mesma. Inclusive territórios distantes, que você só visita de raro em raro, talvez nunca. Mas na história você de repente identifica e diz sim, tenho uma região distante que é assim, eu já estive lá faz muitos anos, mas ela é minha, é parte de mim. Ou, ao contrário, você diz: não, isso definitivamente está fora de minhas fronteiras. Nunca pisarei lá. O primeiro caso é um prazer, o segundo caso é um prazer. E há também um terceiro prazer, quando, durante a leitura, suas fronteiras começam a se alargar. Como se as paredes se abrissem e descortinassem uma paisagem que você nunca viu. Ou uma paisagem que você tinha medo de ver."

No Livro de Jó, a volta ao útero da mãe, para sempre

" ... Há um versículo no Livro de Jó, que as pessoas repetem há milhares de anos, mas quase ninguém se detém por um momento para prestar atenção com espanto, pavor e tremor àquilo que todos declamam: “Nu eu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá”. Nós repetimos isso assim, superficialmente, como se a moral fosse: não corra durante a vida toda para comprar e acumular e investir, pois você não levará nada disso para seu túmulo. Mas o versículo não está dizendo: “Nu eu saí do ventre de minha mãe e nu descerei a meu túmulo”. Não se refere à absurdidade que há no acúmulo de bens. Na verdade é um versículo muito mais emocionante. Ele nos assegura que após a morte nós voltamos exatamente ao mesmo lugar de onde saímos: ao útero de nossa mãe. Nada menos que isso. Ora, o lugar de onde saímos não era ruim. Então talvez a morte realmente não seja terrível: sair do útero, agitar um pouco por aqui, correr, comprar, viajar, regressar, amar, impressionar, excitarse, desiludir-se e depois simplesmente voltar para o útero? Está bem, por que não? Afinal lá, no útero, cuidam de nós, envolvem-nos em calor e maciez, nos alimentam, e não há preocupações. Este versículo no Livro de Jó merece uma segunda reflexão, pois ele encerra uma promessa maravilhosa.

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