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Judas

Autor

Amós Oz

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Paulo Geiger

Para o velho e inválido Guershom Wald, nem Thomas Mann, Dostoiévski ou Gógol. Tolstói é a leitura indicada para os sonhadores

“ ... Thomas Mann escreveu em algum lugar que o ódio não é senão o amor a que se acrescentou o sinal de subtração da aritmética. A medida do ciúme é a prova de que o amor se parece com o ódio, pois no ciúme se mesclam o amor e o ódio. No Cântico dos Cânticos, no mesmo versículo, nos é dito que forte como a morte é o amor, poderoso como o inferno é o ciúme. O pai de Atalia sonhou que judeus e árabes pudessem amar uns aos outros se apenas se eliminasse o mal-entendido entre eles. Mas nisso ele errou. Entre judeus e árabes não há e nunca houve mal-entendido. Pelo contrário. Já faz algumas décadas que entre eles há uma compreensão total e absoluta. Os árabes nativos do lugar se agarram a esta terra porque ela é sua única terra, não têm outra para seu lugar, e nós nos agarramos a esta terra pelo mesmo motivo. Eles sabem que nós nunca poderemos desistir dela, e nós sabemos que eles não desistirão dela nunca. Essa compreensão mútua é, pois, bem clara e irretocável. Não há e nunca houve mal-entendido entre nós. O pai de Atalia era uma dessas pessoas que pensam que toda briga que há no mundo não passa de um mal-entendido: uma pequena dose de aconselhamento familiar, um pouquinho de terapia de grupo, uma ou duas gotas de boa vontade — e logo seremos todos irmãos de coração e de alma, e a briga entre nós será como se não tivesse existido. Ele era desses que acredita que tudo que se exige dos que estão brigando é que se conheçam melhor, e eles logo começarão a gostar um do outro. Só precisam tomar juntos um copo de café bem forte e bem doce e ter uma conversa amigável — e logo o sol vai brilhar e os que se odeiam cairão em lágrimas no pescoço um do outro, como no romance de Dostoiévski. E eu lhe digo, meu caro, dois homens que amam a mesma mulher, dois povos que reclamam a mesma terra, mesmo se beberem juntos rios de café, esses rios não irão apagar seu ódio, e muitas águas não o varrerão. E ainda lhe digo mais, não obstante tudo que eu lhe disse antes, felizes os sonhadores, e maldito aquele que lhes abre os olhos. É verdade que os sonhadores não irão nos salvar, nem eles nem seus discípulos, mas sem sonhos e sem sonhadores essa maldição que paira sobre nós seria mil vezes mais pesada. Graças aos sonhadores, nós também, os sóbrios, talvez fiquemos um pouco menos petrificados e desesperançados do que estaríamos sem eles. E agora, por favor, sirva-me um copo de água e não se esqueça de dar de comer aos peixes no aquário. Seria interessante saber o que é que o peixe vê quando olha através da parede de vidro para dentro do quarto, para as estantes com livros, para o quadrado de luz na janela. O seu Jesus também foi um grande sonhador, talvez o maior dos sonhadores que jamais houve. Mas seus discípulos não foram sonhadores. Eles foram ávidos de autoridade, e seu fim, como o fim de todos que são ávidos de autoridade e poder no mundo, foi que se transformaram em derramadores de sangue. Não se preocupe em me responder, já sei o que você quer dizer e posso até declamar toda a sua resposta do início ao fim, e até do fim ao início. Ora, já falamos muito por hoje e agora quero ler descansadamente meu Gógol. A cada dois ou três anos volto a ler Gógol. Ele sabia quase tudo que se pode saber sobre a nossa natureza. Sabia, e rolava de tanto rir. Mas, você, não o leia. Não. Você deve ler Tolstói. Tolstói tem muito mais a ver com você. Por favor, dê-me aquela almofada que está em cima do sofá. Sim. Assim. Obrigado. Por favor, ponha-a atrás das minhas costas. Muito obrigado. Tolstói é a melhor opção de leitura para os sonhadores.”

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