menu

Veja na Amazon

Outra vida

Autor

Rodrigo Lacerda

Editora

Companhia da Letras

Tradução

Do convívio de um homem e uma mulher. O que restará?

“ ... A mulher se mexe na cadeira e lembra que o amante lhe perguntou uma vez: "Qual a lógica de não ter o melhor para você mesma?". Que de fato, como ele dizia, seu casamento fosse uma fuga, e sua família, uma muleta, que ela realmente estivesse tomando o caminho mais cômodo, mais covarde, apesar de se dizer tão ambiciosa, a mulher até podia admitir, mas, mesmo assim, tinha todo o direito de fazer o que quisesse com a própria vida.

O marido, em sua busca, arremessando o olhar na distância movediça, como os pescadores da sua cidade arremessavam as redes no mar, enxerga uma linda menina, mais velha que sua filha e mais jovem que sua esposa, com pernas, bunda e peitos perfeitos. Como seria trepar com outra mulher que não a sua? Já nem lembra. A elegância da esposa atua sobre ele; a cultura superior, claro, também. Ela o intimida, quando seu corpo o expõe ao embaraço da altura exagerada; porém faz com que se julgue um macho privilegiado. A elegância espontânea, no caso da sua mulher, vem somada às estratégias que ela aprendeu e que as roupas e a ciência cosmética ajudam a implementar. A elegância feminina verdadeira, pensa o marido, sobrevive à juventude e compensa a velhice, compensa eventuais superficialidades da idade e do erro. Então, o que é melhor? Perdoar a traição e continuar casado com a mãe de sua filha, com uma mulher que o deixava orgulhoso de si mesmo, ou romper?

Olhando para os peitos, a bunda e as pernas da jovem desconhecida, o homem sente falta antecipada desse orgulho e lamenta o sexo ultimamente morno entre ele e a mulher. Ela havia reclamado, algumas vezes, do seu jeito afobado, dos orgasmos ingênuos, tão incompatíveis com seu tamanho. Enquanto anda, ele pontifica para si mesmo que todo homem, se quiser conservar uma mulher a seu lado, deve sempre fazer com que ela goze primeiro. Ou faz isso, se conseguir, ou está condenado a sofrer o que ele está sofrendo. Precisa entender melhor o corpo diferente do seu, valorizá-lo ainda mais, nunca deixá-lo para depois, e corresponder ao esforços que a mulher faz para se manter atraente, os quais ele próprio não faz em absoluto, comendo muito, não se exercitando, não ligando para as roupas que veste, as marcas no rosto, os fios brancos nos cabelos e a barba por fazer.

Ela, na delegacia, numa das mil vezes em que se levanta da cadeira e vai sem nenhum propósito até a parede de vidro que dá para o vão central da rodoviária, se pergunta novamente o que diferencia os homens. O que faz um valer mais do que o outro? O que faz do homem um bom marido? Vivências compartilhadas? Habilidades? Senso de humor? Cultura? Dinheiro? Força? Experiência? Padrões de conduta? Dotes sexuais? Tipos de sorriso (aberto, autoconfiante, desafiador, convidativo, despreocupado etc.)? A entrega a um destino comum em detrimento de uma concepção individualista da vida? Uma visão romântica? A força de insistir mesmo sendo preterido? Garantias de alguma coisa?

No mundo de hoje, ela pensa, a única zona de compromisso ainda relevante entre um homem e uma mulher é a garantia aos filhos após uma eventual separação, o apoio financeiro e psicológico. A única prova de honradez que ainda se pode exigir, por enquanto, é o amor aos filhos. O resto virou pó.”

Mais de

Rodrigo Lacerda

Autor

Rodrigo Lacerda

Editora

Companhia da Letras

Tradução

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

citoliteratos

Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna