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Juventude

Autor

J.M. Coetzee

Editora

Companhia das Letras

Tradução

José Rubens Siqueira

O enfrentamento para não surtar

“... Não se arrepende de ter pedido demissão da IBM. Mas agora não tem absolutamente ninguém com quem falar, nem mesmo Bill Briggs. Passa dias e dias sem que nem sequer uma palavra lhe saia da boca. Começa a marcar os dias com um s em sua agenda: dia de silêncio.

Diante da estação de metrô, dá um encontrão, sem querer, num velhinho que vende jornais. "Desculpe!", diz. "Olhe por onde anda!", rosna o homem. "Desculpe!", repete.

Desculpe: a palavra parece sair pesada de sua boca, como uma pedra. Será que uma única palavra de categoria indeterminada consta como conversa? O que aconteceu entre ele e o velho terá sido um exemplo de contato humano, ou seria mais bem descrito como mera interação social, como o toque de antenas entre formigas? Para o velho certamente não foi nada. O dia inteiro o velho parado ali com sua pilha de jornais, resmungando, zangado consigo mesmo; está sempre esperando uma chance de ser desrespeitado por algum transeunte. Enquanto no caso dele a lembrança daquela simples palavra persistirá por semanas, talvez para o resto da vida. Dar um encontrão nas pessoas, dizer "Desculpe!", ser desrespeitado: um ardil, um jeito barato de forçar a conversa. Como enganar a solidão.

Está no vale da provação e não está se saindo bem. Mas não pode ser o único que está sendo testado. Deve haver gente que atravessou o vale e saiu do outro lado; deve haver gente que escapou inteiramente do teste. Ele também podia evitar o teste, se preferisse. Podia fugir correndo para a Cidade do Cabo, por exemplo, e nunca mais voltar. Mas é isso que quer fazer? Por certo não, não ainda.

E se ficar, porém, e fracassar no teste, fracassar desgraçadamente? E se,

sozinho em seu quarto, começar a chorar e não conseguir parar? E se uma manhã descobrir que lhe falta coragem para se levantar, que acha mais fácil passar o dia na cama – esse dia e o próximo, e o próximo, em lençóis que ficam cada vez mais encardidos? O que acontece com gente assim, com gente que não consegue enfrentar o teste e surta?“

Abençoado com indícios de pertencimento

“... Cansado, numa tarde de domingo, dobra o paletó como um travesseiro, estica-se no gramado e cai num sono, ou meio-sono, em que a consciência não desaparece, mas continua a pairar. É um estado que jamais experimentou: parece sentir no sangue o giro constante da Terra. Os gritos distantes das crianças, os pássaros cantando, o zunir dos insetos, ganham força e se fundem numa ode de alegria. Seu coração incha. Finalmente!, pensa. Finalmente ele chegou, o momento de união extática com o Todo! Temendo que o momento se esvaia, tenta deter o estrépito de pensamento, tenta simplesmente ser um conduto para a grande força universal que não tem nome.

Em tempo de relógio, esse sinal dura não mais que segundos. Mas, quando se levanta e sacode o paletó, está recuperado, renovado. Viajou pela grande cidade escura para ser testado e transformado, e aqui, neste retalho de verde sob o suave sol de primavera, surpreendentemente, chegou uma notícia de seu progresso. Se não foi absolutamente transfigurado, foi ao menos abençoado com um indício de que pertence a esta Terra.“

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J.M. Coetzee

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