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Romancista como vocação

Autor

Haruki Murakami

Editora

Alfaguara

Tradução

Eunice Suenaga

Aqueles que têm a coragem de decidir o destino de um escritor em início de carreira

“ ... Nunca participei do júri de prêmios literários. Isso não significa que eu não tenha recebido convites; eu sempre os recusei, dizendo: "Sinto muito, mas não tenho condições". Acho que não tenho competência para exercer essa função.

O motivo é bem simples: tenho uma visão própria do mundo e um processo interior muito específico para dar forma à minha visão. Como o meu modo de viver é consistente, para manter esse processo eu preciso ser uma pessoa autocentrada. Caso contrário, não consigo escrever direito.

Mas essa "medida" é só minha; pode ser adequada para mim, mas creio que não seja para outros escritores. Não quero dizer, de jeito nenhum, que desconsidero todas as formas de escrever que não sejam iguais à minha (naturalmente respeito muitas formas diferentes de escrever), mas algumas delas são incompatíveis ou incompreensíveis para mim. De qualquer forma, só consigo observar e avaliar com base na minha experiência. No bom sentido sou autocentrado, mas no mau sentido sou egoísta e egocêntrico. Se eu começar a avaliar a obra de outras pessoas de forma irresponsável, com base na minha experiência ou na minha "medida", acho que elas não vão gostar. Se for para avaliar as obras de escritores com reputação relativamente estabelecida, talvez não haja muito problema, mas não tenho coragem de decidir o destino de escritores em início de carreira com base na minha enviesada visão de mundo.

Alguns podem considerar, talvez com razão, que eu esteja abandonando minha responsabilidade social como escritor. Eu mesmo iniciei a carreira passando pela vitrine conhecida como prêmio de novos talentos da revista Gunzô, ganhando o ingresso. Se eu não tivesse sido premiado, provavelmente não teria me tornado escritor. Talvez tivesse desistido e nunca mais teria escrito nada. Então, será que não tenho a obrigação de oferecer o mesmo serviço às gerações mais jovens? Mesmo que a sua visão de mundo seja um pouco enviesada, você não deveria se esforçar para adquirir o mínimo de objetividade, emitir o ingresso e oferecer uma chance para a geração mais nova? As pessoas que pensam assim devem ter razão. Talvez seja negligência minha não me esforçar para isso.

Mas quero que o leitor pense comigo: a obrigação mais importante de um escritor é continuar escrevendo para oferecer aos leitores obras com cada vez mais qualidade. Sou um escritor que está na ativa, ou seja, em desenvolvimento.

Ainda tateio para descobrir o que estou fazendo e o que devo fazer daqui em diante. Posso dizer que estou arriscando a vida, lutando com uma espada na linha de frente do campo de batalha chamado literatura. O desafio que me foi atribuído é sobreviver e progredir nesse lugar. Ler e avaliar as obras de outras pessoas de forma objetiva e recomendá-las ou rejeitá-las assumindo certa responsabilidade não fazem parte do escopo do meu trabalho atual. Se eu executar esse trabalho com seriedade – caso seja para fazê-lo, naturalmente precisa ser com seriedade -, serão exigidos de mim consideráveis tempo e energia. O que significa que serão tomados de mim tempo e energia que deveriam ser dedicados ao meu trabalho. Para ser sincero, não tenho condições de me dedicar a isso agora. Deve haver pessoas que conseguem fazer bem as duas coisas ao mesmo tempo, mas estou ocupado o suficiente só de realizar os desafios a mim atribuídos no dia a dia.

Esse seu modo de pensar não é egoísta? Sim, naturalmente e um modo de pensar bem egoísta. Não tenho como contestar. Eu aceito as críticas com resignação.

Mas, por outro lado, nunca ouvi dizer que existe dificuldade para encontrar jurados de prêmios literários. Ao menos nunca ouvi falar de algum prêmio literário que tenha sido abolido por falta de jurados, apesar de todos os jurados reclamarem constantemente. Pelo contrário, acho que o número de prêmios literários no mundo está aumentando. Até tenho a impressão de que todo dia alguém recebe algum prêmio literário no Japão. Ou seja, mesmo que eu não aceite ser jurado, não vai haver uma redução no número de “ingressos” emitidos.

E outra coisa: se em criticar a obra (candidata ao prêmio) de alguém e me perguntarem: "E quanto a suas obras? Quem é você para falar assim deste livro?", eu não terei como argumentar. Afinal, essa pessoa vai ter razão. Eu prefiro não ter que passar por isso.

Mas – quero deixar isso bem claro – não tenho a menor intenção de criticar os escritores na ativa (profissionais como eu) que atuam como jurados de prêmios literários. Deve haver pessoas que conseguem realizar a criação literária com seriedade ao mesmo tempo em que avaliam com considerável objetividade as obras de novos escritores. Elas não devem ter problemas em mudar a forma de pensar, trocar a chave do pensamento. E é fato que alguém tem que assumir esse papel. Eu tenho um sentimento de reverência e gratidão a essas pessoas, mas infelizmente não sou capaz de fazer o mesmo. Preciso de tempo para pensar e julgar e, mesmo que eu me demore nessa função, muitas vezes faço julgamentos errados.”

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