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Sidarta

Autor

Hermann Hesse

Editora

Civilização Brasileira

Tradução

Herbert Caro

Qual a sua especialidade, o que sabe fazer?

“ ... Subitamente, um sentimento de orgulho apoderou-se dele. Depois de ter cessado de ser samana, já não lhe convinha mendigar. Atirando o bolo de arroz a um cão, absteve-se de alimentos.

"Como é simples a vida que se leva neste mundo!" — ponderou Sidarta. — "Não existe nenhuma dificuldade. Quando eu era samana, tudo era complicado e penoso. Ao fim, já não havia nenhuma esperança. Agora tudo se torna fácil, tão fácil quanto são as aulas de beijos que me ministra Kamala. Preciso unicamente de dinheiro e de roupas. É um objetivo próximo, insignificante, que não me tirará o sono."

Fazia muito que localizara a casa que Kamala habitava na cidade. No dia seguinte, lá apareceu.

— Tudo vai bem! — exclamou ela, ao vê-lo. — Kamasvami te aguarda. É o comerciante mais rico da cidade. Se lhe agradares, serás contratado por ele. Usa a tua inteligência, ó pardo samana. Consegui que outras pessoas lhe falassem de ti. Mostra-te gentil para com ele. Kamasvami é muito poderoso. Mas não sejas demasiado modesto! Não quero que ele te empregue como servo. Deverás ser seu igual, de outro modo não ficarei satisfeita contigo. Kamasvami começa a envelhecer e torna-se preguiçoso. Se ele gostar de ti, certamente te entregará muitos assuntos.

Sidarta agradeceu-lhe, radiante, e Kamala, quando soube que o moço nada comera, nem naquele dia, nem na véspera, deu ordem para que lhe trouxessem pão e frutas, que ela mesma lhe serviu.

— Tiveste sorte — disse na hora da despedida. — Uma porta após outra abre-se diante de ti. Como se explica isso? Dispões, por acaso, de algum feitiço?

E Sidarta:

— Ontem te contei que sei pensar, esperar, jejuar e tu achaste que isso não valia nada. Mas, na realidade vale muito, ó Kamala, como verás em breve. Então perceberás que os estúpidos samanas da selva aprendem muita coisa bonita que vós, os outros, ignorais. Anteontem, eu era um mendigo hirsuto. Ontem já beijei Kamala e daqui a pouco serei um comerciante e terei dinheiro e todas as demais coisas às quais ligas tamanha importância.

— Pois é — concordou ela. — Mas que farias sem mim? Que seria de ti, se Kamala não te ajudasse?

— Minha querida Kamala — replicou Sidarta, empertigando-se. — Quando entrei no teu bosque, dei o primeiro passo. Era o meu propósito aprender o amor pelos ensinamentos da mais formosa de todas as mulheres. A partir do momento em que me propus a isso, sabia também que realizaria as minhas intenções. Tinha certeza de que tu me ajudarias. Sabia-o, desde que me olhaste pela primeira vez, na entrada do teu parque.

— E se eu não quisesse fazê-lo?

— Já o fizeste. Olha, Kamala: uma pedra que atirares na água, dirige-se ao fundo pelo caminho mais rápido. O mesmo sucede, cada vez que Sidarta tem um objetivo, um propósito. Sidarta não faz nada. Apenas espera, pensa e jejua. Mas passa através das coisas deste mundo como a pedra passa pela água, sem mexer-se, sentindo-se atraído, deixando-se cair. Sua meta puxa-o para si, uma vez que ele não admite no seu espírito nada que se possa opor a ela. Eis o que Sidarta aprendeu dos samanas. É aquilo que os tolos chamam de feitiço e que na opinião deles é obra dos demônios. Nada é obra dos demônios, já que não há demônios. Cada um pode ser feiticeiro. Todas as pessoas são capazes de alcançar os seus objetivos, desde que saibam pensar, esperar, jejuar.

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