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O teatro de Sabbath

Autor

Philip Roth

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Rubens Figueiredo

Ao chegar à idade que se arde com os calores do rosto, e a filha vai se transformando na forma feminina que irradia as correntes magnéticas

“ ... Na risada de Michelle havia o reconhecimento de que ela não esta mais no comando das forças em ação. Na sua risada, havia a admissão da sua servidão: servidão a Norman, à menopausa, ao trabalho, à velhice, a tudo que podia apenas degenerar ainda mais. Nada que ocorra de imprevisto daqui para a frente tem muita chance de ser bom. E, mais do que isso, a Morte está cheia de vigor no seu canto do ringue, flexionando os joelhos, e um dia, daqui a pouco, vai dar um salto para a outra ponta do ringue, para cima de Michelle, de forma tão piedosa como saltou sobre Drenka – porque, muito embora ela esteja agora mais pesada do que nunca, por volta de sessenta e dois, sessenta e três quilos, a Morte é um Tony Galento ou um Man Mountain Dean de duas toneladas. A risada dizia que tudo se havia alterado nela, enquanto estava de costas, enquanto voltava o rosto para o outro lado, o lado certo, de braços bem abertos para a dinâmica mistura de exigências e prazeres que fora o alimento diário dos seus trinta e quarenta anos, a toda aquela atividade frequente, toda aquela vida extravagante e festiva – tão inesgotavelmente ocupada... de tal modo que, ao mesmo tempo que os Cowan levavam para cruzar o oceano num avião Concorde para passar um longo final de semana em Paris, Michelle havia completado cinquenta e cinco anos e ardia com calores que subiam ao rosto, e sua filha era agora a forma feminina que irradiava as correntes magnéticas. A risada dizia que ela estava farta de ficar ali, farta de planejar fugir, farta de sonhos frustrados, farta de sonhos realizados, farta de se adaptar, farta de não se adaptar, farta de tudo menos de existir. Exultante de existir ao mesmo tempo em que se sentia farta de tudo – isso é que estava na sua risada. Uma imensa e hilariante risada semiderrotada, semialegre, semimagoada, seminegativa. Sabbath gostou dela, gostou dela imensamente. Na certa, uma parceira tão insuportável quanto ele mesmo. Sabbath conseguia discernir em Michelle, toda vez que seu marido falava, um desejo de ser um pouquinho cruel com Norman, via Michelle escarnecendo do que ele tinha de melhor, das melhores coisas que havia nele. Se a mulher não fica com raiva dos vícios do marido, fica com raiva das suas virtudes. Norman toma Prozac porque não pode vencer. Tudo está abandonando Michelle, exceto sua bunda, que, conforme seu guarda-roupa a tem informado, vem aumentando na última temporada – e exceto também aquele homem dotado da serenidade de um príncipe, marcado pelo bom senso e pelo compromisso ético, da mesma forma que os outros traziam a cicatriz da insanidade ou da doença. Sabbath compreendeu o estado de espírito de Michelle, o estado da sua vida, o estado do seu sofrimento: o sol vai se pondo, e o sexo, nosso maior luxo, está fugindo para longe a uma velocidade tremenda, tudo está se afastando a uma velocidade tremenda, e a mulher, em seu desatino, fica se perguntando se deixou passar em branco uma única e miserável chance de dar uma trepada. A mulher daria o braço direito por isso, ainda mais se for uma boazuda como esta aqui. Não é muito diferente da Grande Depressão, não é muito diferente de ir à falência da noite para o dia, depois de anos e anos ganhando grana. "Nada que ocorra de imprevisto daqui para a frente", os calores no rosto dizem a ela, "tem muita chance de ser bom." Os calores no rosto imitando de modo sarcástico o êxtase sexual. Ela baixou em plena linha de fogo do tempo, que voa adiante em desembestada carreira. Envelhecendo dezessete dias a cada dezessete segundos na fornalha. Sabbath cronometrou o tempo dela no relógio Benrus de Morty. Dezessete segundos de menopausa escorrendo pelo seu rosto. Como se alguém tivesse derramado sobre ela. E de repente para, como se a tampa tivesse sido fechada. Mas, enquanto Michelle está tocada por aquele calor, Sabbath pode ver como, para ela, parece que aquilo não tem fundo – que dessa vez ela vai ser mesmo torrada no fogo, como fizeram com Joana d'Arc.

Nada comove tanto Sabbath quanto essas gostosonas que estão ficando velhas, com seus passados promíscuos e suas filhas jovens e bonitas. Sobretudo quando elas ainda estão dispostas a rir como essa mulher. A gente vê tudo o que elas foram outrora, nessa risada. Sou o que restou da famosa trepada do motel – ponha uma medalha nos meus peitos caídos. Não é nada engraçado arder numa pira em pleno jantar.”

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Philip Roth

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Philip Roth

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Design e mentoria por Victor Luna

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