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Patrimônio

Autor

Philip Roth

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Jorio Dauster

O filho vira a mãe do pai

“ ... Sentado ali, vendo-o deixar que a água quente banhasse as fissuras anais que, segundo ele me disse, causavam o sangramento, concluí que a Metropolitan Life Insurance Company jamais reconheceu suficientemente o que Herman Roth significou para ela. Tinham-no premiado com uma pensão bem decente e, durante sua vida profissional, recebera inúmeras placas diplomas e botões de lapela que atestavam suas realizações. Sem dúvida, dezenas de gerentes devem ter trabalhado com igual perseverança e não menos sucesso, mas, dos milhares de gerentes de distrito espalhados por todo o país, simplesmente não poderia ter havido outro que, ao ser avisado no meio da noite que seu escritório fora assaltado, tivesse se cagado de medo. Tal espécie de fidelidade deveria ter levado a companhia a beatificar Herman Roth, assim como a Igreja beatifica os mártires que sofrem por sua causa.

E teria eu, como filho, recebido uma devoção menos primitiva e absoluta? Nem sempre a mais esclarecida – na verdade, uma devoção da qual eu já queria me desvencilhar aos dezesseis anos por me sentir deformado por ela, mas uma devoção que agora achava gratificante poder de certo modo retribuir me sentando na tampa da privada e tomando conta dele enquanto erguia e baixava as pernas como um bebê na banheirinha.

Você pode achar que não significa muito um filho proteger carinhosamente o pai depois que ele se torna indefeso e está quase destruído. Só posso responder que tive o mesmo senso de proteção por suas vulnerabilidades (como homem com fortes laços de família vulnerável às tensões familiares, como arrimo de família vulnerável à incerteza financeira, como um filho chucro de imigrantes judeus vulnerável ao preconceito social) quando eu ainda não havia saído de casa e ele, além de exibir uma saúde de ferro, me enlouquecia com conselhos inúteis, censuras descabidas e raciocínios que me faziam, sozinho no quarto, dar socos na testa e urrar de desespero. Essa fora exatamente a discrepância que transformara o repúdio à sua autoridade num conflito tão opressivo, por estar carregado de angústia mas também de desprezo. Ele não era um pai qualquer, era o pai, com tudo que há para se odiar num pai e com tudo que há para se amar.

No dia seguinte, quando Lil telefonou de Elizabeth para perguntar como ele estava, ouvi-o dizer, sem saber que eu estava escutando: "O Philip é como uma mãe para mim".

Fiquei surpreso. Imaginei que ele diria "como um pai para mim", mas sua descrição de fato expressava uma percepção mais aguda do que minhas expectativas banais, ao mesmo tempo que era mais franca, mais autêntica e, de forma invejável, rudemente verdadeira. É, ele estava sempre me ensinando alguma coisa, não as coisas convencionais de um pai americano, não as coisas que se aprendem na escola, as coisas do esporte, a lenga-lenga do Príncipe Encantado, e sim algo mais tosco do que era possível compatibilizar com meu desejo juvenil, previsivelmente egoístico, de ter um pai fino e ponderado em vez do pai pouco instruído que me envergonha ao mesmo tempo que sua vulnerabilidade, em especial como objeto de discriminação antissemítica, estimulava minha solidariedade para com ele e fortalecia meu ódio para com quem o menosprezava: ele me ensinou o vernáculo. Ele era o vernáculo, sem poesia, expressivo e direto, com todas as evidentes limitações do vernáculo e com toda a sua enorme capacidade de resistência.”

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