Os fatos. A autobiografia de um romancista

“ ... Mas estou preso para sempre naquilo que você fez de mim — um jovem escritor sem apoio dos pais. Se você foi o que afirma ter sido, isso é outra questão, e merece ser investigada. O que alguém escolhe revelar na ficção é determinado por um motivo fundamentalmente estético; julgamos o autor de um romance pela qualidade que demonstra ao contar uma história. Mas julgamos moralmente o autor de uma autobiografia, cuja motivação é sobretudo ética e não estética. Quão próxima a narração é da verdade? Será que o autor está escondendo seus motivos, apresentando seus atos e pensamentos a fim de desnudar a natureza essencial das situações ou tentando ocultar alguma coisa, dizendo com a intenção de não dizer? De certo modo, sempre dizemos com a intenção também de não dizer, porém se espera que o historiador pessoal resista ao máximo ao impulso natural de falsificar, distorcer negar. Esse é realmente "você" ou o que você deseja parecer a seus leitores aos cinquenta e cinco anos? Você me diz em sua carta que o livro dá a impressão de ser o primeiro que escreveu de forma "inconsciente". Isso significa que Os fatos é uma obra de ficção inconsciente? Que você não tem consciência dos truques de ficção dela? Pense nas exclusões, na natureza seletiva do trabalho, na própria atitude de encarar os fatos. Será toda essa manipulação de fato inconsciente ou ela apenas finge ser inconsciente?”

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