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Zuckerman Acorrentado – Romance: O escritor fantasma

Autor

Philip Roth

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Alexandre Hubner

Um pai julgando o conto escrito pelo filho

“ ... "Papai, por favor, vá para casa."

"Não vai doer se eu ficar esperando o ônibus com você. Não quero deixá-lo aqui sozinho."

"Já sei me virar sozinho na rua. E não é de hoje."

Uns cinco minutos depois, a alguns quarteirões de distância, divisamos o que pareciam ser os faróis do meu ônibus.

"Bom", disse eu, "nos vemos daqui a alguns meses. Prometo dar notícias... Telefone assim que chegar..."

Nathan, aos olhos de um gentio, esse seu conto é sobre uma e uma só coisa. Me escute antes de ir. É sobre os Jacós e seus lojinhas. Os judeus mãos de vaca e sua obsessão por dinheiro. Isso é tudo o que os nossos bons amigos cristãos verão, garanto a você. Não é sobre os judeus que se tornam cientistas e professores e advogados e as obras que eles realizam em benefício dos outros. Não é sobre os imigrantes, como a Chaya, que trabalham e economizaram e se sacrificaram para se estabelecer dignamente na América. Não é sobre os dias e noites tranquilos e maravilhosos que você passou na infância em nossa casa. Não é sobre os amigos adoráveis que sempre teve. Não, é sobre a Essie e seu martelo, sobre o Sidney e suas dançarinas de cabaré, sobre aquele advogado chicaneiro que a Essie contratou e sua boca suja e, até onde consigo ver, sobre o paspalho que fui por ter insistido tanto com eles para que chegassem a um acordo razoável antes que a família inteira acabasse sendo arrastada para a sala de audiências de um juiz gói."

"Eu não faço o senhor parecer um paspalho. Jesus do céu, longe disso. Para ser sincero", acrescentei com raiva, “pensei estar dando um abraço bem aperta do no senhor.”

"Ah, não diga! Bom, não é o que parece. Veja, filho, talvez eu tenha sido mesmo um paspalho por tentar fazer aquela gente ver a razão. Não me incomoda que caçoem de mim – no fundo, se tem uma coisa que não me incomoda é isso. Sou um homem calejado. Mas o que eu não posso aceitar é o que você não vê – o que não quer ver. Essa história não somos nós e, o que é pior, não é nem você. Você é um menino maravilhoso. Passei o dia inteiro de olho em você. Sempre estive de olho em você, desde que nasceu. Você é um rapaz generoso, afetuoso, atencioso. Não alguém que escreve esse tipo de história e depois finge que é verdade."

"Mas eu escrevi." O sinal ficou verde, o ônibus de Nova York atravessou o cruzamento e veio em nossa direção – e meu pai pôs os braços no meu ombro. O que só fez aumentar minha beligerância. "Eu sou o tipo de pessoa que escreve esse tipo de história!"

"Não é, não", suplicou ele, sacudindo-me só um tiquinho.

Mas eu subi no ônibus e atrás de mim a porta pneumática, com sua extremidade de borracha dura, fechou-se com o que me pareceu ser um mais que apropriado baque surdo, o tipo de símbolo que a gente deixa de fora quando escreve ficção. Foi um som que súbito me trouxe à lembrança as lutas de boxe no Laurel Garden, onde, uma vez por ano, eu e meu irmão apostávamos nossas moedinhas um contra o outro, cada um jogando ora no boxeador branco, ora no de cor, enquanto o dr. Zuckerman, o médico dos pés, acenava para seus poucos conhecidos na plateia de apostadores – entre eles, numa ocasião, Meyer Ellenstein, o dentista que viria a se tornar o primeiro prefeito judeu da cidade. O que eu ouvi foi o baque pungente que sobrevém ao gancho certeiro e ao nocaute, o som do atordoado peso-pesado desabando na lona do ringue. E o que eu vi, quando olhei pela janela para acenar um adeus até o fim do inverno, foi o homem baixinho, vestido com elegância, que era meu pai – especialmente endomingado para a minha visita, ostentando um casaco comprido novo que combinava com as calças cor de café e a boina xadrez, e usando, obviamente, os mesmos óculos de aro prateado, o mesmo bigodinho curto que eu agarrara no berço; o que eu vi foi meu pai desnorteado, sozinho, na esquina quase às escuras junto ao parque que tinha sido o nosso paraíso, pensando que ele e todo o povo judeu haviam sido gratuitamente humilhados e expostos ao perigo por minha inexplicável traição.”

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Philip Roth

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Philip Roth

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